Para ‘Economist’, argumento pró-legalização da maconha venceu. Resta colocá-lo em prática
Tatiana Dias
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12 Fev 2016 (atualizado 12/Fev 16h31)
Revista inglesa diz que, agora, o debate deve se concentrar nas questões que rondam a legalização - impostos e a redução de danos, por exemplo
Capa da edição de fevereiro é dedicada à legalização da maconha
A capa da edição de fevereiro da revista inglesa “The Economist”, uma das publicações mais importantes do mundo, é dedicada às drogas. Mais precisamente, à legalização da maconha, uma tendência que tem sido adotada por vários países do mundo e em partes dos EUA, e já se mostrou benéfica para, em primeiro lugar, colocar um fim na guerra às drogas. Agora que o argumento pró-descriminalização já venceu, vem o que a revista chama de parte mais difícil: colocar a legalização em prática.
“Aqueles que argumentaram que a legalização é melhor do que a proibição vão dar boas vindas ao começo do fim da fútil guerra às drogas”, diz a revista. Em números gerais, o comércio de maconha corresponde à metade dos US$ 30 bi do mercado de drogas ilícitas, movimentado por cerca de 250 milhões de usuários. “A legalização priva o crime organizado de sua maior fonte de recursos, e ao mesmo tempo protege e torna consumidores cidadãos honestos”, defende a revista.
A questão agora é outra - e mais ampla: como legalizar?#
Hoje, sete países do mundo já legalizaram a maconha. Mais de 20 optaram pela descriminalização (ou têm uma política de tolerância, embora a erva ainda seja proibida). Nos EUA, quatro Estados já liberaram o consumo recreativo da erva. Em vários países, incluindo o México e a África do Sul, os parlamentos têm discutido de forma prática a descriminalização.
Nestes lugares, o avanço pela liberação só foi possível porque o argumento libertário, tradicionalmente favorável pela descriminalização, ganhou apoio dos conservadores. E o ponto de convergência é o pragmático: a proibição é menos eficiente do que a regulação.
Questões práticas que ainda causam divergência
Quais tipos de maconha podem ser liberados?
Há muitas variedades disponíveis no mercado, com concentrações de princípio ativo e efeitos diferentes sobre os usuários. Como regular isso? As variedades serão testadas e classificadas?
Quem pode vender?
A venda deve ser regulada desde a produção? Qualquer pessoa que plantar pode fornecer para conhecidos? É preciso credenciar estabelecimentos para compra e venda? A propaganda será permitida?
Quem pode comprar?
Os usuários devem ser testados e autorizados a comprar? Haverá políticas de conscientização sobre efeitos a curto e médio prazo? Sabe-se que em alguns usuários a maconha pode gerar efeitos psiquiátricos; como evitar que os indivíduos predispostos consumam a erva?
Como cobrar impostos?
Como será o cálculo? Impostos mais altos para frear o consumo ou impostos baixos para evitar que consumidores apelem para o mercado ilegal?
Os liberais defendem que a cannabis deveria ser vendida livremente para qualquer adulto que optasse pelo consumo informado. Aqui, a “Economist” pondera: o problema disso é que a erva pode causar dependência, ainda que em uma parcela pequena de usuários, e como ela era proibida até agora, há poucos estudos científicos sobre seu impacto na saúde a longo prazo. Para a revista, taxar os usuários poderia deter o consumo (mas a cobrança deveria ser moderada, para evitar que eles recorram ao mercado ilegal).
“Na América Latina, onde o mercado negro é sangrento e poderoso, os governantes deveriam manter o preço baixo”, diz a revista. O paralelo é com a Máfia: primeiro, os impostos sobre o álcool foram baixos, para estimular o consumo legal; depois que o crime organizado havia sido destruído, o governo aumentou a cobrança.
Limitar o consumo ou estimular o consumo legal? Eis o dilema dos impostos
No Estado americano de Colorado, por exemplo, os impostos sobre a erva são de 28%, taxa considerada baixa. Lá o número de locais que vendem maconha superam as cafeterias Starbucks. Em Washington, o imposto é de 44% e as regras são mais rígidas para licenciar a venda. No Colorado, as regras mantiveram o preço da erva em US$ 15 o grama; em Washington, ele custa US$ 25. Em ambos os Estados, o grama vendido ilegalmente custa US$ 10.
O resultado disso: o preço mais baixo do Colorado fez com que 70% do consumo fosse de erva vendida legalmente, e a maior parte do restante é vendida ilegalmente por cultivadores caseiros. Em Washington, as vendas legais correspondem a apenas 30% do consumo da erva. “Os preços mais baixos do Colorado tornaram a vida do crime organizado mais difícil”, diz a revista.
A “Economist” diz que agora é a hora de todos os envolvidos no debate olharem a questão de forma prática. Aqueles que lutaram pela manutenção da proibição deveriam começar a pensar em maneiras de legalizar da forma menos danosa possível; e os defensores da legalização, assim como a indústria da cannabis, precisam mostrar que valem mais do que o mercado ilegal.
Debate internacional avança na discussão de propostas pela descriminalização#
A capa da ‘Economist’ reflete o debate da comunidade internacional. Não é de hoje que organizações relevantes reconhecem a falência da guerra às drogas e discutem os benefícios da legalização.
O ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, tem se dedicado a discutir o tema. Ele faz parte da Comissão Global de Política de Drogas, responsável por vários estudos sobre o impacto da mudança da legislação no mundo.
“É necessário um regime global de controle de drogas novo e aperfeiçoado, que proteja melhor a saúde e a segurança de indivíduos e comunidades no mundo todo. Medidas duras baseadas em ideologias punitivas devem ser substituídas por políticas mais humanas e eficazes, baseadas em evidências científicas, princípios de saúde pública e direitos humanos.”
Comissão Global de Política de Drogas
Em relatório de 2014
Para a Comissão, a maneira mais eficaz de se reduzir os danos da proibição e avançar nos objetivos de saúde pública e segurança é “controlar as drogas através da regulação legal e responsável”.
Neste ano, o tema será discutido em uma Sessão Especial da Organização das Nações Unidas sobre Drogas, que acontecerá nos EUA em abril. No evento, a discussão de políticas de drogas será feita sob uma perspectiva de saúde pública - iniciativas como o impacto da descriminalização das drogas em Portugal estão na pauta, por exemplo.