Salve bigcunha,
Vou fazer uma pequena consideração sobre a jurisprudência do STF e o arquivamento do inquérito policial com fundamento na atipicidade da conduta do fato.
A jurisprudência do STF (leia-se as duas turmas) é firme no sentido de que o arquivamento do inquérito policial com fundamento na atipicidade da conduta do fato está acoberto pelo manto da coisa julgada formal e material. Nesse sendo, decisões das duas turmas do STF: HC 83.346/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 17.5.2005. Decisão publicada no informativo 388 STF, 1ª turma; HC 86.606/MS, rel. Min. Cármen Lúcia, 22.5.2007. Decisão publicada no informativo 468 STF, 1ª turma; HC 94.982/SP, rel. Min. Cármen Lúcia, 25.11.2008. Decisão publicada no informativo 541 STF, 1ª turma; HC 80.560-GO, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20.2.2001. Decisão publicada no informativo 218 STF, 1ª turma e HC 84156/MT, rel. Min. Celso de Mello, 26.10.2004. Decisão publicada no informativo 367 STF, 2ª turma.
Para deixar mais claro, segue um trecho do voto do relator Min. Gilmar Mendes no Inquérito (Inq) 2164/DF http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo439.htm
“No julgamento do HC nº 83.343/SP, 1ª Turma, unânime, DJ de 19.08.2005, o ministro relator, Sepúlveda Pertence, manifestou-se acerca dos efeitos jurídicos decorrentes de deferimento judicial do pedido de arquivamento de inquérito policial por parte do Ministério Público, em virtude da atipicidade do fato, como demonstra a seguinte ementa:
‘I - Habeas corpus: cabimento. (...)
II - Inquérito policial: arquivamento com base na atipicidade do fato: eficácia de coisa julgada material.
A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial, quando fundado o pedido do Ministério Público em que o fato nele apurado não constitui crime, mais que preclusão, produz coisa julgada material, que - ainda quando emanada a decisão de juiz absolutamente incompetente -, impede a instauração de processo que tenha por objeto o mesmo episódio. Precedentes: HC 80.560, 1ª T., 20.02.01, Pertence, RTJ 179/755; Inq 1538, Pl., 08.08.01, Pertence, RTJ 178/1090; Inq-QO 2044, Pl., 29.09.04, Pertence, DJ 28.10.04; HC 75.907, 1ª T., 11.11.97, Pertence, DJ 9.4.99; HC 80.263, Pl., 20.2.03, Galvão, RTJ 186/1040.’
Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (INQ nº 510/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Plenário, unânime, DJ de 19.04.1991; INQ nº 719/AC, Rel. Min. Sydney Sanches, Plenário, unânime, DJ de 24.09.1993; INQ nº 851/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Plenário, unânime, DJ de 06.06.1997; HC nº 75.907/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, maioria, DJ de 09.04.1999; HC nº 80.560/GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 30.03.2001; INQ nº 1538/PR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ de 14.09.2001; HC nº 80.263/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, unânime, DJ de 27.06.2003; INQ nº 1608/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, unânime, DJ de 06.08.2004; INQ nº 1884/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, maioria, DJ de 27.08.2004; INQ-QO nº 2044/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, maioria, DJ de 08.04.2005; e HC nº 83.343/SP, 1ª Turma, unânime, DJ de 19.08.2005), assevera que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal, exceto nas duas hipóteses em que a determinação judicial do arquivamento possa gerar coisa julgada material, a saber: prescrição da pretensão punitiva e atipicidade da conduta.
Nesse particular, é válido transcrever o inteiro teor da ementa do Inquérito nº 1.604, também da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, que expõe a questão ainda com maior clareza:
‘Inquérito policial: arquivamento requerido pelo chefe do Ministério Público por falta de base empírica para a denúncia: irrecusabilidade. 1. No processo penal brasileiro, o motivo do pedido de arquivamento do inquérito policial condiciona o poder decisório do juiz, a quem couber determiná-lo, e a eficácia do provimento que exarar. 2. Se o pedido do Ministério Público se funda na extinção da punibilidade, há de o juiz proferir decisão a respeito, para declará-la ou para denegá-la, caso em que o julgado vinculará a acusação: há, então, julgamento definitivo. 3. Do mesmo modo, se o pedido de arquivamento - conforme a arguta distinção de Bento de Faria, acolhida por Frederico Marques -, traduz, na verdade, recusa de promover a ação penal, por entender que o fato, embora apurado, não constitui crime, há de o Juiz decidir a respeito e, se acolhe o fundamento do pedido, a decisão tem a mesma eficácia de coisa julgada da rejeição da denúncia por motivo idêntico (C.Pr.Pen., art. 43, I), impedindo denúncia posterior com base na imputação que se reputou não criminosa. 4. (...).’ (INQ 1604, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13.12.02).”
Nesse ponto que queria chegar.
O raciocínio do Supremo para fundamental esse entendimento é bem simples, sendo construído através de uma analogia sobre as decisões que rejeitavam a denúncia, à época elencadas no artigo 43 do Código de Processo Penal, revogado pela lei 11.719/08.
Ou seja, o Supremo percebeu que não faz o menor sentido que a decisão que rejeitasse a denúncia com fundamento na atipicidade da conduta do fato ganhasse contornos de coisa julgada formal e material, enquanto uma decisão de arquivamento de inquérito policial com o mesmo fundamento (atipicidade da conduta) ganhasse apenas contornos de coisa julgada apenas formal.
Isso poderia nos trazer uma perplexidade, já que o acusado poderia “escolher” ser denunciado e torcer por uma rejeição da denúncia (com fundamento na atipicidade da conduta), onde a discricionariedade é toda do Juiz, e com isso conseguir uma decisão com força de coisa julgada formal e material ao invés de torcer pelo arquivamento do inquérito policial (com fundamento na atipicidade da conduta), pois essa decisão estaria sujeita apenas à coisa julgada formal.
Como não poderia deixar de ser, há exceções. Vejamos:
A) Decisão de arquivamento do inquérito policial e a certidão de óbito falsa. HC 84525/MG, rel. Min. Carlos Velloso, 16.11.2004. Noticiado no informativo 370 STF.
Arquivamento do inquérito policial com fundamento nas excludentes da ilicitude e da culpabilidade.
O Supremo Tribunal Federal, em especial agora, na sua Primeira Turma, consolidou em suas decisões a possibilidade de desarquivamento do inquérito policial cujo arquivamento fora fundamentado numa causa de exclusão da ilicitude. Isso se mostra coerente, mais uma vez vale a pena repisar, com a analogia feita com as decisões que rejeitam a denúncia, pois, como a causa que exclui a ilicitude não consta no rol do revogado artigo 43 do CPP, não poderia ganhar contornos de coisa julgada formal e material. Nesse sentido, HC 87395/PR, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 24.10.2006. (HC-87395), noticiado no informativo 446 STF e HC 95211/ES, rel. Min. Cármen Lúcia, 10.3.2009. (HC-95211), noticiado no informativo 538 STF.
Já no tange a observação que fez (“Outro ponto, agora de ordem prática, é que nem todos os inquéritos policiais federais sobre importação de sementes são arquivados por atipicidade”).
O que você falou é mais que cristalino caro bigcunha. Mas perceba o contexto que inseri a frase, creio que dava, perfeitamente, para entender que o indivíduo compareceu na DPF, ou seja, se sabia a autoria e as sementes estavam apreendidas (materialidade). Restando saber se a importação de seeds é fato típico ou não. Assim, o Procurador da República ou oferece denúncia ou requerer o arquivamento do IP, sendo que o arquivamento do IP, neste caso, só poderá ocorrer com fundamento na atipicidade da conduta.
Sobre sua indagação “Os inquéritos que atuei sobre importação de sementes, que foram arquivados, vêm com o seguinte despacho: “Acolho a manifestação de arquivamento do órgão ministerial, sem prejuízo do disposto no art. 18 do CPP, se não extinta definitivamente a punibilidade.” Indago pelo mero gosto ao debate, fez coisa julgada material?”
Entendo que SIM, uma vez que a autoridade judiciária utilizou como sua fundamentação a manifestação do órgão ministerial, sendo essa manifestação por atipicidade da conduta, tal decisão faz coisa julgada formal e material.
Quanto sua construção teórica acerca da interpretação do judiciário das leis, nem vou entrar no assunto. Mas se for seguir seu raciocínio, você nega, por completo, a existência do instituto do princípio da insignificância. Há tempo o judiciário deixou de ser mero aplicador sego de lei.
Por fim, quanto ao seu último parágrafo acho indelicado de sua parte falar “Não faço "laboratório" com a liberdade dos outros” dando a entender que eu faça (sem ao menos você saber quem está escrevendo do lado de cá...).
Amigão, sou DPU a 4 anos, estou na cargo POR PRAZER (passei em outros concursos top e optei em ser DPU) respiro processo penal todos os dias. Pode ter certeza que os membros da DPU não fazem "laboratório" com a liberdade alheia, ISSO eu TE GARANTO (te afirmo também que o nível dos membros da DPU é muito alto).
Ao levantar a bola da atipicidade e arquivamento do IP pensei que iria enriquecer o fórum. Pois, pelo que leio aqui, o objetivo é sempre trazer informações corretas e manter o nível nas alturas (pelo menos era isso que me passava nas leituras que realizei).
Minhas manifestações neste fórum ficam por aqui. Não sei direito como funciona, mas peço desculpas ao dono do fórum, aos moderadores e quem mais eu possa ter causado algum prejuízo (de qualquer ordem) ou ter violado alguma regra do fórum.