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Queimando a Mpb até a última ponta


magaiver

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  • Usuário Growroom

Pessoal, esta reportagem é meio antiga, não sei se já postaram, mas achei bacana. Aí vaí....

Queimando a MPB até a última ponta

Planet Hemp reacende relação de nossa música com as drogas, que vem desde Noel Rosa

Julio Moura

30/07/2001

A cena está registrada no filme Doces Bárbaros, de Jom Tob Azulay. Preso por porte de maconha (segundo o depoimento do delegado, havia um cigarro pronto e uma quantidade que dava pra fazer mais dois baseados), Gilberto Gil chega ao fórum de Florianópolis para aguardar a sentença do juiz. O meritíssimo dita para o escrivão: "Gilberto Gil declarou que gostava da maconha e que seu uso não lhe fazia mal, nem o levava a fazer o mal". Diante das câmeras, o olhar embaraçado do cantor prenuncia a ofensiva do juiz: "As palavras de Gilberto Gil podem encontrar ressonância rítmica e poética em Refazenda - o abacateiro. Mas não encontram aceitação nas leis e na experiência humana", sentencia o árbitro antes de determinar a internação do cantor numa clínica psiquiátrica "pelo tempo necessário à sua recuperação".

A conseqüência é o cancelamento imediato da turnê e um longo período de reclusão hospitalar para Gil, descrito na canção Sandra , gravada no álbum Refavela (1977). Não é de hoje, portanto, que artistas e juristas debatem-se diante da erva venenosa. Rítmica e poeticamente, para fazer justiça às palavras do juiz de Florianópolis, a ganja sempre povoou o imaginário de nosso cancioneiro. A polêmica que (não é de) agora envolve o grupo Planet Hemp e suas letras é coisa antiga na MPB - no Estado do Rio, a banda agora só pode se apresentar para espectadores maiores de 18 anos, por ordem do polêmico juiz de menores Siro Darlan. Motivo: suposta indução da juventude ao vício, pela apologia às drogas nos versos do grupo.

A referência mais remota (posterior ao samba Cocaína, de Sinhô, dedicada "ao bom amigo Roberto Marinho", nos anos 20, mas isso já é outra história) pode ser encontrada na canção Quando o Samba Acabou , de Noel Rosa, gravada por Mario Reis, em 1935. O samba conta a história de dois malandros da Mangueira que disputavam o amor da cabrocha Rosinha. O vencido, "perdendo a doce amada, / foi fumar na encruzilhada / passando horas em meditação". Os efeitos da fumaça na cabeça do malandro de Noel são de estarrecer o juiz Siro Darlan: "quando sol raiou / foi encontrado / na ribanceira estirado / com um punhal no coração".

Wilson Batista identificou um indefectível caráter sociológico na "erva do norte" fumada por Chico Brito, sucesso com Dircinha Batista : "Lá vem o Chico Brito / descendo o morro nas mãos do meganha / é mais um processo / é mais uma façanha./ Chico Brito fez do baralho seu maior esporte / No morro dizem que fuma uma erva do norte". É o próprio Chico quem defende teses: "Se o homem nasceu bom / e bom não se conservou / a culpa é da sociedade que o transformou".

Independente de juízos e juízes, o certo é que fumava-se muita maconha na Lapa dos anos 30 e 40. Antes de a erva ser considerada um mal para os lares nacionais, fama que passou a carregar a partir da década de 50, a droga era comercializada livremente, sobretudo junto às camadas mais populares. Era natural, portanto, que a cannabis fizesse parte do dia-a-dia de alguns sambistas, e até lhes completasse a cota de inspiração que os copos de cachaça e cerveja lhes conferiam em bares como o Café Nice e o Café dos Bandidos, na Praça Tiradentes.

Segundo o escritor Ruy Castro, no livro Chega de Saudade, o jovem João Gilberto, então um iniciante cantor do grupo vocal Garotos da Lua, era conhecido na Lapa dos anos 40 como Zé Maconha. Isso sem falar na morfina (consumida por Sílvio Caldas e Orlando Silva, entre outros), na cocaína (a favorita de Nelson Gonçalves) e, evidentemente, no álcool.

Depois da Segunda Guerra, com a oficialização da moral americana em todo o continente, a maconha acabou transformada em inimiga pública da família brasileira. Não havia muito espaço para aviõezinhos no barquinho da Bossa-Nova e o uísque era o combustível mais constante nas navegações de Tom, Vinicius, Bôscoli e companhia. É de Vinicius de Moraes a frase: "o uísque é o melhor amigo do homem. Uísque é cachorro engarrafado". Coerente com seu histórico, a maconha se ambientava com mais propriedade entre o povão.

Nos início dos anos 60, o grupo jovem-guardista Golden Boys fez duas "homenagens" à cannabis antes que a imagem da erva se associasse indelevelmente à juventude e aos movimentos de contestação que marcariam o final daquela década em todo o mundo. Foram os Golden Boys quem primeiro lançaram os hits Erva Venenosa - versão de Poison Ivy, gravada pelos Rolling Stones, e depois recriada pelo Herva Doce (em 83) e por Rita Lee (em 2000) - e Fumacê , regravada em 2001 pelo Trio Nordestino, no cruzamento forró-reggae que atualmente faz a cabeça da moçada universitária de raiz (e de folhas).

Nos anos 70, a comunidade hippie dos Novos Baianos queimou muito mato no sítio de Jacarepaguá. Os Mutantes preferiam os ácidos lisérgicos, voga que acabaria abandonando Arnaldo Baptista numa eterna plataforma de viagem. Os mesmos ácidos que, segundo Nelson Motta, no livro Memórias Tropicais, Tim Maia distribuía aos executivos da Philips (atual Universal Music), aconselhando-lhes o consumo para "ver se expandiam a consciência". Raul Seixas advertia aos que não dispunham de colírio que usassem óculos escuros, em Como Vovó já Dizia (73). Uma década mais tarde, em Metrô Linha 743, o maluco-beleza ainda não se livrara da paranóia: "Vá fumar lá do outro lado. / Dois homens fumando juntos pode ser muito arriscado".

A última ponta queimada pela Ditadura calou o núcleo mais cabeça dos Novos Baianos. A censura vetou a paródia bíblica de O Mal É o que Sai da Boca do Homem, de Galvão, Baby e Pepeu, que havia sido classificada para as finais do festival MPB-80, promovido pela TV Globo. Os argumentos da letra de Galvão, como os de Gil, não encontraram ressonância poética entre os censores: "você pode fumar baseado / baseado em que você pode fazer quase tudo. / Contanto que você possua / mas não seja possuído".

A abertura política dos anos 80 não evitou que Arnaldo Antunes e Lobão entrassem em cana, respectivamente pelo uso de heroína e cocaína. A associação da maconha à marginália e ao tráfico de drogas rendeu vários sucessos ao sambista Bezerra da Silva. Os versos "vou apertar / mas não vou acender agora / se segura malandro / pra fazer a cabeça tem hora", de Malandragem Dá um Tempo (86), regravada pelo Barão Vermelho , em 96, suavizavam as divisões de raça e classe social que pudessem segregar os usuários. Sem falar na tal semente que o vizinho jogou no fundo do quintal e que "virou um tremendo matagal", no depoimento de Bezerra.

Com todo esse background, quando os anos 90 entraram em cena, Marcelo D2, Gabriel O Pensador (em Cachimbo da Paz ) e Fernanda Abreu (no Veneno da Lata ) puderam proferir seus discursos legalizantes para uma imensa e incansável platéia. Isso até que um juiz marqueteiro roubasse a cena e os porcos fardados baixassem a porrada na molecada.

http://www.cliquemusic.com.br/br/Acontecen...Nu_materia=2794

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  • Usuário Growroom

Falou e disse. Bom o texto. Gostei.

Como já deve ter sido muito dito aqui no Grow (sou novo por aqui), a hipocrisia é uma coisa que acaba com o ser humano e o impede de evoluir, como deveria ser. Uma pena. O jeito é queimar um baseadinho na miúda, porque "pra fazer a cabeça tem hora".

Já está, como diria um amigo meu.

DZ

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  • Usuário Growroom

Bom o texto. Tem uma coisa que o Marcelo D2 falou uma vez que eu achei muito legal, embora eu não curta muito seu som. Numa entrevista, ele tava dizendo que uma vez chegou em casa, bolou um, foi pra frente da TV e se depara com uma propaganda anti-droga do governo que falava que "o consumo sustenta a violência". Bah, ele disse que ficou puto da cara, tipo "que porra é essa de que o consumidor é que sustenta a violência? Se é assim, então, queria ver o governo liberar o plantio particular da maconha e, quando ver que a violência não acabou, saber quem ele iria culpar agora."

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  • Usuário Growroom
Cosmonauta escreveu

..."o consumo sustenta a violência". Bah, ele disse que ficou puto da cara, tipo "que porra é essa de que o consumidor é que sustenta a violência? Se é assim, então, queria ver o governo liberar o plantio particular da maconha e, quando ver que a violência não acabou, saber quem ele iria culpar agora."

Pra mim está cada vez mais claro e evidente que uma das principais causas da violência humana é a péssima distribuição de renda e desigualdade social.

Não é a única, mas é a uma das principais. Nosso instinto de luta para garantir os meios de sobrevivência própria foi trocado pela luta para garantir o poder de consumo.

O consumo de droga pode até contribuir para a violência, mas com uma parcela muito pequena. E talvez nem seja a fome outro grande problema.

A sociedade de consumo é ávida por outros produtos como: automóveis de luxo, celulares de último tipo, produtos de beleza e moda (tênis, roupas de grife, etc.). Todos nós, sem excessão, somos constantemente estimulados a possuir estes bens de consumo, mas só uma parcela muito , mas muito pequena mesmo, é que tem acesso a tudo isso. Aí é que reside o problema maior.

Pergunte para um chefão de quadrilha, seja de tráfico de drogas ou qualquer outro tipo de crime, por que ele faz o que faz. Garanto que nos supreenderemos com a resposta.

O sujeito que "trabalha" para qualquer organização criminosa, por exemplo, os olheiros ou aviões, se arriscam apenas para conseguir droga ou alimento? Ou será que ele quer mesmo é uma TV wide screen tela plana com DVD e um celular que tira foto?

O buraco é mais embaixo, galera.

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  • Usuário Growroom

http://www.growroom.net/phpBB2/viewtopic.php?t=8218

CARACAAA escreveu

hempstar escreveu

Nação Zumbi - Prato de flores!!!

Pena que o pessoal mandou poucas nacionais... dava até pra montar uma lista, não só de músicos mas de muitos outros maconheiros famosos nacionais!

Algo como isto:

http://www.slatts.fsworld.co.uk/famous.htm

heh :)

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  • Usuário Growroom

Aí vai uma reportagem que li agora há pouco, tô colocando ela aqui no lugar do link pra não dar bug no acesso.

04 de junho de 2004

DE "MACONHEIRO" A MINISTRO

por Ricardo Kalil

http://nominimo.ibest.com.br/notitia2/news...ate=currentDate

04.06.2004 | A seqüência mais marcante do filme “Doces Bárbaros” (1976), documentário de Jom Tob Azulay que reestréia em breve em cópia restaurada e que registra a turnê original do grupo formado por Maria Bethânia, Gal Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil, chama atenção atualmente por motivos extra-musicais e cinematográficos: a célebre passagem em que Gil é preso, julgado e condenado em Florianópolis por porte de uma pequena quantidade de maconha (segundo o delegado, um baseado pronto e quantidade suficiente para outros dois).

Apesar das tristes conseqüências, a seqüência toda é de um humor surreal, digno de Buñuel. Sob o olhar atônito de Gil, o juiz dita ao escrivão: “Gilberto Gil declarou que gostava da maconha e que seu uso não lhe fazia mal, nem o levava a fazer o mal. As palavras de Gilberto Gil podem encontrar ressonância rítmica e poética em ‘Refazenda’ – o abacateiro. Mas não encontram aceitação nas leis e na experiência humana.”

A sentença que vem a seguir não é menos absurda: o juiz e poeta nas horas vagas determina que o cantor seja internado em uma clínica psiquiátrica, o que leva ao imediato cancelamento da turnê (ao menos, o episódio rendeu boa música: Gil compôs “Sandra”, de “Refavela”, no presídio feminino para onde foi transferido depois; na letra, ele cita carinhosamente várias de suas colegas de prisão).

Ao ver essas cenas, é impossível não pensar nas voltas que o Brasil dá. Em 1976, Gil era considerado um mau exemplo para a juventude. Hoje, é o ministro da Cultura que canta o Hino Nacional antes dos jogos da seleção de futebol.

A boa notícia dessa história é que foi o país que mudou, e não Gil. Da ditadura ao governo Lula, a política brasileira andou para a frente desde então – apesar de um ou outro tombo autoritário, como na polêmica com o correspondente do “New York Times”.

A má notícia é que a sociedade – incluindo aí juízes, policiais, jornalistas e uma parcela significativa da população – nem sempre acompanhou a caminhada no mesmo passo. Pelo menos dois episódios estão aí para reforçar a tese: a prisão do ator Marcello Antony por porte da maconha e o processo contra Marcelo D2 por uma suposta apologia às drogas.

Hoje, a internação de Gil em uma clínica psiquiátrica por porte de drogas será vista pela maioria das pessoas como um episódio cômico de tão irracional. Por outro lado, nem todo mundo percebe o quanto há de disparate no risco que Antony e D2 correram de perder a guarda de seus filhos, por motivos semelhantes, quase 30 anos depois. Sem falar em outros casos com conseqüências definitivas, que ocorreram pouco tempo atrás, como a demissão da apresentadora Soninha ou a prisão de D2 e do grupo Planet Hemp.

Se por um lado houve avanços institucionais notáveis no país nas últimas três décadas, por outro questões importantes como o consumo de drogas continuam nas mãos de juízes marqueteiros e policiais em busca dos holofotes, que encontram respaldo em grande parte da imprensa e da população. A ponto de teses no mínimo discutíveis – como aquela que sustenta que os consumidores de drogas patrocinam a violência do tráfico – virarem praticamente um consenso.

* * *

Não é apenas a prisão de Gil que justifica a ida ao cinema para ver “Doces Bárbaros”. O filme tem méritos como documento, por captar como poucos o espírito de uma época, e também como cinema, por levar a cabo com talento e sensibilidade a complexa tarefa de registrar shows. Pouquíssimo visto nos últimos anos, o filme confirma algumas impressões a respeito do disco duplo que registrou a turnê e também do show de reencontro do grupo há dois anos.

A primeira: a obra de cada um dos “quatro cavaleiros do após-apocalipso” é mais forte individualmente do que a criada no grupo. A segunda: em meio a números olvidáveis, o show teve também alguns momentos históricos, como o de Gal e Bethânia dividindo os vocais em “Esotérico”.

A terceira e talvez mais impressionante: com sua figura e presença de grande força dramática, Bethânia não apenas é a melhor atriz do grupo, como também ofusca o brilho dos outros três sempre que aparece em cena, seja no palco ou fora dele.

Um exemplo é a entrevista que Bethânia dá enquanto se maquia no camarim, em que declara que “veado” e “não-veado” era tudo igual para ela. O outro é a cena em que canta “Um Índio”, momento musical mais forte do espetáculo. Azulay sabiamente fecha o plano no rosto e nas mãos da cantora, do começo ao fim da música, sabendo que sua interpretação visceral era também grande cinema.

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