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Entre bruxos e inquisitores a maconha demonizada


Thomas

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  • Usuário Growroom

Na época de maior vigor da Santa Inquisição foram executados na fogueira ou em sessões de tortura milhares de suspeitos de bruxaria, junto com cachorros, gatos, paus, cumbucas e garrafas, todos igualmente possuídos pelo Demônio. Então o canhamo, por sua utilidade, não fazia parte dessa posse. Mas no século XX esta planta sofreu perseguição e fogueira, ainda que nunca desapareceu. Como também não as bruxas deixaram de voar.

Nestes dias, em Ocidente, o canhamo, depois de muitos anos de proibição, volta-se a cultivar. Na Espanha, faz três anos, a revista Cáñamo vende mais de 20 mil exemplares que se calcula são lidos por uns 100 mil leitores asidos das últimas novidades, receitas e performances desta interessante planta. "A revista da cultura do cannabis" sai com regularidade mensal oferecendo dados sobre como cultivar a planta em jardins e vasos, sua versatilidade para fabricar todo tipo de tecidos para indústria, papéis, sensatas, e as variedades consumiveis em terapia médica, cigarros, pastéis, refogados ou saladas, todo a base de maconha, como mais comumente se conhece à cannabis sativa. Porque todos são sinônimos: cáñamo, cannabis, maconha, haxixe, como ao dizer de Thomas Szasz são seis, meia dúzia, e dois terços de nove.

O verdadeiro é que certa "demonolozacão" das palavras, à que são tão afins os poderes, satanização o termo e ninguém se atreveria hoje a pedir uma "sopa de maconha", ou no shopping "uma camisa de maconha". Claro que também lhes seria difícil de encontrar, porque obrigado a Estados Unidos, as plantações de canhamo foram proibidas no Ocidente, substituídas pelo muito menos versátil algodão.

Paradoxos, superstições, ignorância e hipocrisia, denúncia em Espanha a arsec (Associação Ramón Santos de Estudos sobre o Cannabis), que se empenhou em plantar maconha e promover um aberto desafio às contraditórias leis espanholas, que por um lado liberam seu consumo mas condenam a posse.

Canhamo surgiu de membros fundadores do arsec, como órgão para atuar como coordenadora das diferentes associações antiproibicionistas de Espanha, e difundir as vantagens de uma valiosa planta. Seu diretor é Gaspar Fraga, um hippie de 55 anos, fotógrafo, estudante de filosofia na Sorbona no maio do 68 -o que lhe custou a expulsão de França-, jornalista de rock, editor de historias nas movidas do underground posfranquista.

-Até que ponto Canhamo defende uma causa da "drogas", e até onde uma causa política? -São dois pontos de partida para dois lugares diferentes, que ao final vão a confluir.

Desde o ponto de vista de "drogas", como dizes tu, a nossa é uma sociedade que se nos vendeu como do "bem-estar", mas, como dizia Ortega e Gasset, não é somente uma sociedade do "bem-estar" o que quer e pede o homem, senão uma sociedade do "estar bem". Desde o início da humanidade, o homem sempre teve suas substâncias, que lhe enervaram, que lhe levaram ao assombro, ao conhecimento interno, a aventuras do pensamento, de reflexão interna.

Toda declaração de direitos humanos conflui em dar-lhe à pessoa o bem-estar e a liberdade de atuação, mas, ao mesmo tempo, os estados nos levam na contramão de nós mesmos. Como diz Escohotado, "do corpo para adentro, eu não tenho fronteiras, sou dono disso". Nesta sociedade do esbanjo e do espetáculo na que estamos imersos, há outras drogas que são muito mais fortes do que as "ilegais", então, por que não ter acesso ao consumo responsável, igual que tu ou o outro tem ao fumo, que e tem mais permisão, ou ao álcool, que o é muito mais, de pior dureza para a saúde? Porquê não vou ter acesso a uma substância que consideraram "ilegal" a partir deste século, mas que nunca o foi ao longo da história da humanidade? Aí entramos na descussão política, por que estamos na contramão da proibição? Porque entendemos que é um direito, que o ataca uma política moralista, imprópria de nosso tempo, onde se nos promulga a democracia, e resulta que a democracia tem restrições. Passamos pela liberdade de opinião, de reunião, sindical, política, ou a que seja, pela liberdade sexual, cada um pode fazer com seu corpo o que se lhe dê a vontade, pelo aborto e a antiproibicão, e a liberdade religiosa. Todo isso se desterrou, de modo democrático, mas uma vez conseguido isso, ao poder que nos está governando, que modo de intervenção social, tanto sobre o grupo como sobre o indivíduo, fica-lhe? Terrorismo e drogas. Terrorismo, já o vão reduzindo, mas ainda têm as drogas para poder intervir. O exemplo mais fidedigno o tens em Estados Unidos, onde por cultivo de maconha te levam dez anos ao cárcere.

Não vejo por que a mim, se tenho o direito ao livre consumo do que seja, e assim constitucionalmente está escrito, tenha-me que vir alguém a negar esse consumo enquanto não faça dano a terceiros, nem incorra em delitos. Se tu te embebedas, e ao volante matas a alguém, cometeste um delito, e se tiveste a sorte de não matar a ninguém seguiste livre e não te passou nada. O responsável é que não coxas o volante se estás loco ou ingeriste uma substância que te possa alterar a percepção das coisas.

-A causa pela libertação das drogas é então uma das últimas ou a última causa pela liberdade individual?

Não digo que seja a última, ou a penúltima, ficam outras, e surgirão outras mais na nossa civilização nossa, mas assim é uma das que agora estão na midia. Neste momento se está aglutinando um modo de pensamento muito diverso, que já não prove de diferentes pensamentos sociais, da direita ou da esquerda, senão que ainda

profissões e idades muito diversas, e principalmente à juventude, que tem mais próximo o problema. Os governos que proíbem as drogas deveriam perguntar-se, por que há essa necessidade de drogar-se? Será que algo falta na sociedade, que não há ideais, princípios bem assentados que movam ética ou moralmente ao indivíduo? Se não os há, esta via de escape que encontra o indivíduo é tão válida como pode ser a televisão, a transmissão desportiva, ou o turismo de aventura, ou o atirar-se de uma ponte com um elástico, que o fazem, e está permitido.

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  • Usuário Growroom

À geração atual lhe interessa esta luta, a defesa das liberdades individuais, ou o vêem com a mesma apatia do telefonema "Geração X"?

-Está sucedendo que o ritual de passagem da adolescência à juventude, que antes vinha dado por fumar-se uma ponta, ou por tomar uma copo de cerveja, hoje em dia está sendo substituído pela cannabis. O que não se perguntam os que fazem as leis é: que é melhor, o ritual de passagem com o álcool e o fumo, que também sucede, por verdadeiro, ou com a maconha? -Por que Europa coincide com Estados Unidos nesta luta contra a droga? -Não crio que a visão na Europa seja a mesma que se teve no Estados Unidos. Este intervém na soberania de todos os países, é o império dominador, e sua prepotência lhe leva a ditar leis desde a ONU, que todos os demais têm de aceitar, Espanha entre eles. Mas o fato social não sucede igual lá que aqui. A moral social que impulsiona a Estados Unidos não é a mesma. Aqui nunca teve problemas pelas drogas. Em Europa, à conclusão que se chegou, por um manifesto que se chamou "Por uma política de drogas justa e eficaz", é que se deve lutar contra a droga para reduzir o dano que a proibição está causando, que é maior do que o da droga. Estes são estudos da comunidade europeia.

-Qual é o futuro que se prognostica a curto prazo para o movimento antiproibicionista?

-Se estima de cinco a dez anos máximo para que as leis comecem a cair por si mesmas. Já começaram os mesmos repressores a dizer que não conseguiram baixar os níveis de consumo a nível global, que não conseguiram a vitória desejada com seus programas antidrogas, e que, ao invés, em cada dia avança mais. E isto sucede a nível global, não somente em Estados Unidos, onde já são sete os estados que aprovaram o uso da maconha "compassiva", ou para uso medicinal. Em Suiça se aprovaram também leis para o consumo do cannabis; em Holanda, já vês a tolerância que existe, em Espanha, sem dúvida, percebe-se também, apesar da "lei Corcuera". E cada vez mais se erguem vozes a favor de que se leve a cabo uma política mais realista, pelo menos da maconha. Para as outras drogas demorará mais, se regulamentará de outro modo. O ideal seria que o Estado se fizesse cargo, lhe viria bem, obteria um dinheiro por impostos que lhe permitiria apaziguar os efeitos secundários destas substâncias; agora gasta em repressão dinheiro que se perde em corrupção, alvejo de dinheiro e danos contra o cidadão. Tanta racionalidade , mas o sistema resiste. Na mesma Espanha, que em sua Constituição garante o direito do cidadão a consumir o que lhe e prazer, a lei Corcuera sanciona ao que possua um pouco de maconha por posse "ilícita", pressupondo que existe uma posse lícita.

Aprofundando a contradição, a arsec plantou alguns hectares com maconha, não para a venda, senão para consumo pessoal de seus sócios, tal como o prevê a Constituição espanhola. Confrontados com a lei, a vitória foi parcial, um tribunal de primeira instância os absolveu, mas a Corte Suprema condenou aos responsáveis a "quatro meses de detenção maior" e ao pagamento de meio milhão de pesetas (uns 3.000 dólares) a cada acusado. Assim foram as caçadas de bruxos medievais, nenhuma lógica pôde salvar das chamas a nenhum acusado, e até cientistas tiveram que abdicar, ou queimar-se sob as acusações supersticiosas. Mas os cientistas seguiram trabalhando. Em maio de 1998 a Organização Mundial da Saúde ignorou e ocultou um estudo sobre o cannabis e seus efeitos, mas ao mesmo tempo foi publicado o Relatório Roques, produto de um estudo ordenado pelo Ministério de Previdência de França para definir a periculosidade das diferentes drogas: heroína, cocaína, álcool, fumo e maconha. As conclusões às que chegaram em linhas gerais sobre a maconha e seu princípio ativo, o thc, é que é a menos perigosa e nociva das drogas estudadas, que possui virtudes terapêuticas em determinados enfermos (câncer, aids), que não produz vício, e que não é, forçadamente, um primeiro degrau numa carreira para as drogas duras. Se meu filho quer fumar maconha e eu não quero dar, ele sabe que na rua existe, e não só a maconha senão todas as substâncias ilegais.

Que tem que fazer? Ir ao "camelo" da esquina a comprar-lhe "chocolate" ou maconha? E se o "camelo", que simplesmente quer fazer seu negócio, num dia não tem haxixe, e lhe diz: "Hoje tenho os pós da Mãe Celestina"? Não é isso um efeito secundário pernicioso da proibição? Não é melhor, para esse jovem, inclusive, que produza sua própria maconha? Neste mundo do bem-estar e do esbanjo, onde todo se consegue com dinheiro, o que seja, ¡tac!, assim de fácil, não é melhor do que com uma simples semente, plante-a, e a desenvolva, e quando lhe dê um fruto que não lhe custou mais do que seu próprio esforço, sem nenhum intercâmbio monetário, desfrute-a, feliz de convidar a seus amigos a fumar maconha? Não seria enriquecedor para ele em contraste com esta sociedade do esbanjo?

Materia retirado so site canamo.net

link: http://www.geocities.com/CapitolHill/Senat.../nro9drogas.htm

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  • Usuário Growroom

poh thomas.......eu sempre passei por esse tópico e relutei em ler.....

mas agora q li te digo: que texto hein!

muito forte e muito legal a comparação que o autor faz da inquisição com a perseguição dos maconheiros e antiproibicionistas em geral.

gostei muito. parabens.

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