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No Líbano, Guerra Faz Florescer Plantações De Maconha


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  • Usuário Growroom

No Líbano, guerra faz florescer plantações de maconha

De Patrice Claude

Enviado especial a Baalbek, Líbano

11/06/2008

Le Monde

Link da matéria no UOL, para assinantes e da matéria original do Le Monde, em Francês :o )

Por mais frágil que ela possa parecer, a paz civil que voltou a reinar entre as diferentes facções no Líbano "de maneira alguma" constitui um bom negócio para Ali Hassan. "Se o exército não estiver ocupado em manter a ordem nas diferentes regiões do país", desola-se o agricultor, "na certa ele retornará ao vale para destruir as nossas colheitas". Com as suas mãos poderosas e a sua simpática cara redonda de camponês, rachada pelo sol, Ali Hassan, que é proprietário de várias dezenas de hectares de boas terras férteis situadas aos pés do Monte Líbano, cultiva tomates, cevada e batatas. Para estas culturas em particular, é claro que não há nada a temer por parte dos soldados.

A preocupação de Ali diz respeito ao pequeno campo de um hectare de maconha que ele plantou em março e que está começando, diante dos nossos olhos, a dar lindas folhinhas finas e dentadas.

A plantação se diferencia das demais, com milhares de mudas de cânhamo indiano, meticulosamente alinhadas em fileiras regulares, a 30 cm de distância umas das outras e que já alcançam 25 cm de altura neste final de maio. É a partir dessas mudas que será obtida a maconha -com as suas folhas e flores- e ainda, após processamento das folhas e da resina, o haxixe que é maciçamente consumido tanto no Líbano quanto no Ocidente. Se o exército não tiver intervindo para erradicar tudo isso por meio de possantes buldôzeres, "o que ele costuma fazer geralmente em julho", as mudas alcançarão cerca de 2 m de altura e estarão maduras para a colheita em meados de agosto.

Com idade de 44 anos, pai de oito filhos, Ali Hassan, não é exatamente um homem muito rico. Assim como muitos dos seus amigos camponeses nos arredores, ele é não passa de um mero amador no que diz respeito a este tipo de cultura. Um hectare por aqui, um outro por ali. A empreitada nada tem de industrial.

"No ano passado", diz, "eu colhi o suficiente para produzir 15 kg de 'H' [haxixe]. A US$ 700 (cerca de R$ 1.140) o quilo vendido, isso me rendeu mais dinheiro do que todos os meus hectares de batatas. Além disso, esta cultura exigiu menos água, nenhum fertilizante e menos mão-de-obra..."

Ao longe, pouco antes da cortina de choupas que beiram os campos, avista-se uma dezena de mulheres que trajam roupas e véus coloridos. Às gargalhadas, elas estão subindo e disputando espaços numa charrete puxada por um trator. "Elas são sírias", explica Ali. "Elas aparecem a cada temporada para serem contratadas como diaristas e trabalharem em nossas culturas; depois, elas retornam para casa". Em princípio, elas se dedicam apenas às culturas legais.

A quando remonta a cultura de Cannabis sativa (maconha) no grande vale da Bekaa? "Nós não temos a menor idéia", diz Issam Abou Maryam. "A milhares de anos, provavelmente. Os fenícios já era consumidores há três mil anos". Com a sua calça jeans de grife e sua camisa de linho, Issam, por sua vez, é um "profissional" que cultiva seus "contatos e seus compradores" no exterior. Ele conta também ter "amigos" nas altas esferas do poder, além de várias dezenas de homens armados, pistoleiros remunerados da sua tribo, encarregados de proteger suas culturas.

"Este ano", nos diz Issam, afundado com um copo de uísque na mão numa confortável poltrona de couro em seu imenso salão de recepção em Baalbek, "eu nada plantei. Primeiro, porque eu pensava que um acordo político poderia ser celebrado sem demora entre os partidos corruptos de Beirute, o que acarretaria o risco de "liberar" os soldados para... outras tarefas. Em segundo lugar, porque o custo do óleo combustível necessário para que as nossas bombas de água possam irrigar os campos a cada quinze dias, mais ou menos, foi multiplicado por dez. Por fim, porque as duas colheitas de 2007 foram de tal forma abundantes que os preços desmoronaram. Ainda restam-me alguns quintais para escoar, mas, a US$ 400 (R$ 650) o quilo, eu me recuso a vender. Prefiro aguardar até que as cotações voltem a subir".

Durante a guerra civil que arrasou o Líbano entre 1975 e 1990, a indústria libanesa do haxixe e do ópio prosperou. Ela se espalhava por cerca de um terço das superfícies aráveis da Bekaa -uma região que corresponde a um quarto da superfície total do país, e onde vivem cerca de 250.000 habitantes-, e representava um volume de transações de cerca de US$ 500 milhões (mais de R$ 810 milhões) por ano, segundo as Nações Unidas. Os lucros, para os camponeses da região, giravam em torno de US$ 80 milhões (R$ 130 milhões) por ano. Cerca de 25.000 famílias dependiam diretamente das colheitas de maconha para viver.

"Nós estávamos prósperos, naquela época", se recorda Ali Hassan. "Eu tinha dois carros. Agora, só me restou aquela velha caminhonete japonesa detonada que vocês estão vendo ali".

Inicialmente, as promessas de ajuda financeira feitas pelo Estado numa região que figura, junto com o sul do Líbano, entre as mais pobres do país, além dos programas de substituição que foram implantados a partir de 1991 pelas Nações Unidas com o objetivo de dissuadir a cultura do "H", obtiveram certo sucesso.

Em 1994, perseguidos pelos soldados da Síria que ocupavam então o país, e cujo governo buscava conquistar uma boa imagem e favores do Ocidente, queimando as plantações de maconha e de ópio, os camponeses, dos quais muitos foram presos e encarcerados, cessaram as suas atividades ilegais. Durante dez anos, mais ou menos, apenas os mais temerários ainda ousaram plantar pequenas superfícies nas alturas de difícil acesso do maciço montanhoso do Monte Líbano. É precisamente nestas áreas que se encontram atualmente as culturas de papoula, a planta da qual é extraída a heroína, desta vez uma droga "dura". A amplidão da produção local de papoula em nada se compara com as quantidades fenomenais produzidas no Afeganistão, mas ela é tanto mais lucrativa que certos laboratórios de transformação clandestinos foram implantados localmente.

Além disso, as promessas de ajuda financeira aos pequenos agricultores não demoraram a evaporar. O programa da ONU foi encerrado em 1999, e o exército sírio deixou o país em 2005. Só que as culturas clandestinas haviam sido retomadas bem antes da retirada deste último. Em maio de 2005, cerca de 4 toneladas de haxixe foram apreendidas em todo o vale da Bekaa.

"De nada adiantou", recorda-se Issam, "pois naquele ano, o preço do quilo alcançou US$ 1.200 [cerca de R$ 1.950 em valores atuais]. Ou seja, praticamente três vezes mais de que uma superfície equivalente de batatas que, por sua vez, precisam de adubos e de pesticidas que custam caro. Eu voltei a plantar em 2006, mas, logo após a guerra de julho entre Israel e o Hizbollah, o exército libanês voltou com tudo. Os soldados destruíram a totalidade dos meus 2.000 dunames de plantações [um dunam equivale a 916 m2]. Acabei não indo para a prisão porque paguei um 'bakchich' [propina] de US$ 5.000 [R$ 8.130] para a pessoa certa. Mas eu perdi os US$ 32.000 [cerca de R$ 52.000] que eu havia investido nas sementes, na água e na mão-de-obra".

Teoricamente, os plantadores, da mesma forma que os traficantes locais que compram as colheitas, arriscam serem condenados a penas de cinco anos de prisão, além de pesadas multas. Os mais poderosos e aqueles que estão mais bem organizados sempre conseguem dar um jeitinho para escaparem do calabouço. Os menos poderosos, por sua vez, tentam organizar-se.

"Nós estamos empenhados numa luta com o governo para obter a legalização das nossas culturas", confidencia Hadj Jaafar Hussein, um primo próspero de Issam, de terno e gravata. "Nós constituímos um discreto lobby junto com alguns dos nossos eleitos", acrescenta este viajante de cerca de 60 anos que diz estar constantemente "entre dois aviões".

Os militantes do Hizbollah, o "partido de Deus" que domina esta região de confissão amplamente xiita, não apóiam este grupo de pressão. "Para eles", explica Hadj Jaafar, que os detesta, "o H é 'haram', proibido! Mas eles não nos criam problemas. Eu conheço até mesmo alguns deles que consomem às escondidas. Mas nós já tentamos de tudo para convencê-los a nos ajudarem, em vão. Esses caras são mesmo uns obscurantistas inveterados."

No total, embora o consumo de maconha seja legal na Holanda, e tolerado em outros países tais como a Espanha, a Suíça, a Itália, o Reino Unido e alguns Estados americanos, a causa da legalização das culturas da Bekaa não parece conseguir grandes avanços. O que não impede nem que o consumo local aumente regularmente, segundo a polícia, nem que as plantações vão ganhando terreno, praticamente diante dos olhares e com o conhecimento de todo mundo.

No campo de Ali Hassan, inundado de sol à beira de uma estrada asfaltada, pouco freqüentada, porém acessível, situada no norte do grande vale, os agricultores estão discutindo animadamente a respeito do que poderia acontecer caso o exército resolver retornar na região.

"No que me diz respeito", afirma Ahmed, um jovem de cerca de 30 anos e de sangue quente, com um boné de beisebol enfiado sobre a cabeça e um fuzil de combate escondido sob o banco da sua caminhonete, "eu não vou permitir que eles destruam tudo. Nós temos de lutar."

Ali Hassan sorri, com ar constrangido. Nem todos os plantadores estão dispostos a desenterrar o machado da guerra. Mas, o Estado libanês, do que se pode deduzir do estado das estradas, detonadas, do fornecimento muito esporádico de eletricidade, da inexistência, na maior parte das aldeias, de qualquer estrutura de saneamento ou de outros serviços públicos, está amplamente ausente da região. E, portanto, ele é muito pouco respeitado.

Por ocasião das intervenções militares de 2006, vários destacamentos uniformizados haviam sido forçados a se retirar de certas localidades, após terem sido alvos de rajadas de metralhadoras e até mesmo de alguns obuses de morteiro que não haviam matado ninguém, mas sim impressionado sobremaneira os soldados. Há algumas semanas, Adel Machmouchi, o chefe da brigada antientorpecentes da polícia do Líbano, reconheceu, durante um depoimento para uma jornalista do diário árabe "Al-Hayat", que o seu trabalho nem sempre era muito simples.

"Nós tínhamos planejado uma campanha de erradicação antes do verão, mas não foi possível garantir a segurança dos nossos agentes", havia declarado o delegado. "O exército estava ocupado em intervir em outras áreas. Além disso, todos os proprietários dos tratores e dos buldôzeres que nós costumamos alugar na região para proceder às operações de arrancamento haviam cancelado seus compromissos, como que por um efeito de mágica, após terem recebido ameaças por parte dos plantadores. Mas o governo continua determinado a agir".

Antes da nossa partida, na pequena fazenda de Ali Hassan, do lado do Djabal el-Mekmel, todos estavam rezando a Alá com muito fervor, pedindo-lhe para que a normalização libanesa não seja implantada rápido demais. "Não antes das colheitas, por favor, meu Deus".

Tradução: Jean-Yves de Neufville

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Abrax

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