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Mais Perigosa Que A Vida - João Paulo


Mr Stoned

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  • Usuário Growroom

Mais perigosa que a vida

A relação dos artistas com as drogas, mais especifica-

mente dos escritores, reescreve o dilema moral que cerca

o assunto fora do âmbito da arte. De um lado há a afirma-

ção da possibilidades de expansão de estados de consciên-

cia, gerando uma representação artística única e seminal;

de outro os limites dramáticos da expressão desta mesma

consciência, retalhada em doenças, crimes, violência, mar-

ginalidade e esterilidade criativa. O que, então, estes artis-

tas têm a ensinar, tanto pelo seu exemplo de sucesso co-

mo nas derrotas mais decorrentes? Talvez a mais direta li-

ção esteja na busca incessante. Levar a vida e a procura de

prazeres ao limite não é um mérito de artistas, mas uma

consagração da humanidade. O que diferencia um e outro

é a narrativa correspondente. Para uns a vida é a própria

história, para os demais a vida só existe para ser história.

A mais recente e instigante reflexão sobre as drogas, “O

Prazer e o Mal: Uma filosofia da droga”, da italiana Giulia

Sissa, recoloca a questão, sem qualquer viés moralista ou

celebratório, da relação entre o prazer e a droga. Recor-

rendo a exemplos de autores como Baudelaire e Thomas

De Quincey, a fenomenologia da experiência dos drogados

se dá em torno da busca do prazer. Mais tecnicamente, a

autora encerra o debate a partir da noção psicanalítica de

desejo.

E o desejo não tem fim. Literalmente. A insaciabilidade

Se existisse do prazer, que se manifesta na vida eró-

uma droga tica, acaba servindo de modelo para

que não uma busca tóxica da realização. Saco

causasse sem fundo desejante, o drogado acaba

mal, mesmo por perfazer o cruel caminho qualitati-

assim ela vo que retira do prazer da droga todo

seria dado positivo de satisfação para gerar

um mal ? a completude pelo avesso: droga-se

para evitar a evidenciação do vazio. Os sinais se alteram.

O prazer é apenas o adiamento do desprazer. A pensadora

italiana vai a raiz filosófica platônica para entender e confi-

gurar esta operação. O desejo é o pai de todos os des-

caminhos e a outra face do castigo da impossibilidade de

supri-lo. Uma “ álgebra da necessidade ”, nas palavras lú-

cidas do junky Willian Burroughs.

Mas ficam perguntas difíceis de responder. Se existisse uma

droga que não causasse mal, físico ou psicológio, que garan-

tisse a ampliação do prazer e da consciência, mesmo assim

ela seria um mal ? Quem se eximiria da experiência de

alterar seu estado de consciência, com direito a visões e

outra perspectiva intelectual e sensorial se não houvesse

risco ou proibição? O prazer artificial ( e os paraísos arti-

ficiais ) são em si um mal? São questões desta ordem que

impulsionaram muitos escritores a buscar nas drogas por-

tas para novas percepções.

Para alguns deles, o resultado foi surpreendente

positivo e praticamente inofensivo. Foi o caso de Quin-

cey (1785-1859) que viu no láudano ( uma espécie de vinho

de ópio) a panacéia para todos os problemas da humani-

dade, a felicidade ao custo de uma moeda. Suas “memó-

rias de um comedor de ópio” trazem um relato de uma

experiência vivida em todos os níveis, inclusive inconscien-

tes, representados posteriormente em outras obras literárias

do autor. De Quincey se torna viciado por um acaso, não

por projeto ( chega a classificar de “ farmacêutico sublunar ”

o colega que o aconselha o láudano para dirimir uma nevral-

gia facial ). Por isso, sem qualquer tom proselitista, fala de

uma igreja da qual é o fundador o único membro. Alfa e

ômega da religião do ópio, que professou por quase 50 anos.

William Burroughs foi outro drogado escritor que não se

gabou de ser junky( nome de seu primeiro romance que

popularizou a expressão no mundo inteiro). “ Alguém se

torna drogado por não ter fortes motivações em qualquer

outra direção” , escreveu. Ou seja, as drogas não valiam em

si para Burrroughs, mas pela opçõa existêncial que aponta-

vam, no caso, a ausência de opção ou assentimento à cul-

tura norte-americana dos anos 40 em diante. Burroughs é

um escritor poderoso. Seus dois livros mais conhecidos,

“Junky ” e “Almoço Nu”, são siderados pela droga em todos

os aspectos. No primeiro com uma naturalidade quase

científica e neutra, narra o desenvolvimento de sua teoria

da droga, sua matemática da necessidade pura. Em “Al-

moço Nu” a linearidade se esfacela em um painel multifor-

me de cenas grotescas, violentas, conduzidas por uma ló-

gica inconsciente.

Burroughs ficou associado historicamente aos beats,

geração que vem depois da dele ( mas que ele ultrapas-

sou cronologicamente, não se sabe como, afogado em

química em todas as suas células sedentas), formada por

Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Neal Cassady e Lawrence

Ferlinghetti, entre outros, também viveu e escreveu sob

o impacto da inspiração das drogas. Quanto à inspiração,

é preciso que se diga que ela se alimentou sempre re-

troativamente das experiências alucinógenas. Escrever

bêbado ou drogado gera um texto a ser destruido de-

pois. Os autores beats sabiam disso. Mesmo as mais ou-

sadas tentativas de escrita automática eram feitas de ca-

ra limpa. Mas foram muitos trechos de romances, poe-

mas e manifestos escritos com o intuito político de defen-

der a droga.

Estes autores acabaram marcando a prosa e a poesia

contemporânea pela absoluta sinceridade de seus relatos.

Entre suas contribuições estão a capacidade de criação de

alternativa intelectual, mesmo que destrutiva ou nii-

lista; e de uma realização artística inovadora. A narratriva

realista nunca mais seria a mesma nos Estados Unidos.

Segundo a história ( boa demais para ser verdade e não um

relato de Burroughs), o poeta Ginsberg insistiu para Bur-

roughs escrever uma história comercial, que lhe garantis-

se algum dinheiro. O criador de “Junky” aceita o desafio e

começa um romance em que um ventríloquo ensina seu

ânus a falar. E ele acaba falando com tanta independência

que abandona seu proprietário e fala por conta própria.

Depois da recusa desta história, Burroughs veio para a sel-

va amazônica a procura do yage, do qual esperava a ilu-

minação definitiva.

Thimoty Leary foi um Sócrates do século XX, pelo me-

nos na sua missão de corromper a juventude. O que era

acusação na Grécia foi um projeto caro ao papa da contra-

cultura. Leary foi o mais fiel e capacitado defensor do

uso do LSD e das drogas psicodélicas. Jogou seu prestígio

acadêmico nesta defesa e perdeu. Foi expulso de Har-

vard, preso várias vezes e não mudou de idéia. Realizou

estudos, fundou comunidades, fez política a vida toda.

Até na morte – de câncer – não cessou de provocar, auto-

rizando que fossem filmados seus últimos momentos. Sua

cabeça foi cerrada em frente a milhões de pessoas e conge-

lada para possível uso no futuro. Leary marca uma

mudança no padrão dos beats, com quem conviveu. Di-

ferente deles, que faziam da experiência individual a rea-

lização máxima, ele quis democratizar o barato. Sua

perspectiva era salvacionista, escatológica, generosa.

Suas memórias “ Flashbacks – Surfando no Caos” Termi-

nam com uma postulação ultraliberal em relação ao uso

de substâncias psicoativas ( que ele considerava um ali-

mento para o cérebro, assim como a água ou a comida),

dizendo que era uma necessidade patriótica combater as

visões policial, médica e ideológica dos que queriam im-

pedir os adultos de colocar para dentro de seus corpos o

que achavam conveniente.

No Brasil, foi Paulo Mendes Campos quem melhor des-

creveu o efeito de drogas alucinógenas na percepção indi-

vidual. Influênciado por Adouls Huxley, que havia publica-

do o célebre “As Portas da Percepção”, o poeta mineiro to-

mou ácido licérgico sob supervisão médica de um amigo e

escreveu um límpido relato sobre o evento, descrevendo

suas alterações de tempo, sua capacidade de observar co-

res e a tonalidade das vozes das pessoas. “Experiências

com LSD” , de 1962, foi republicado em vários livros do au-

tor e tem algumas conclusões psicológicas que são poesia

pura. Por exemplo: “Não existem ruídos lancinantes. Nós é

que somos lancinantes”.

Não há conclusão possível sobre o assunto. Além disso,

É possível examiná-lo distante do contexto no qual a cri-

minalidade se acerca da droga e a torna violenta, indepen-

dente de sua ação. Há , além disso, a destruição de vidas

pelas mais diferentes drogas, que nem sempre se dão ao

consumidor de forma amena e criativa ( neste sentido, o re-

lato dos escritores pode ser considerado uma perigosa ex-

ceção). A busca de experiências psicodélicas gera, no en-

tanto, algumas poucas conclusões provisórias: a insaciabi-

lidade do desejo não torna o desejo equivocado; as repre-

sentações estéticas e intelectuais do uso e sentido das dro-

gas ajudam a compreender o fenômeno mais que as pos-

turas ideológicas a priori ( que medicalizam e policializam

o problema, gerando soluções tão equivocadas do ponto de

vista epidemiológico como repressivo); viver é muito peri-

goso. E, em meio a tanto barato, talvez o título de um livro

do terapeuta francês Claude Olivenstein seja a melhor sín-

tese: “Os drogados não são felizes”. Embora o próprio Oli-

venstein afirmasse que não se enfrenta o vício sem a pres-

suposição de que as pessoas buscam com a droga e, algu-

mas vezes ( muito poucas) conseguem, prazer. Como Ca-

mus disse de Sísifo, é preciso imaginar o drogado feliz. Só

assim se compreende o desejo, seus triunfos e seus fracassos.

* João Paulo é jornalista do

jornal Estado de Minas, onde este artigo foi originalmente

publicado.



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Frase de um comediante americano de stand up que abre uma música da banda Tool:

"Sabe, eu acho que as drogas fizeram boas coisas por nós. Acho mesmo.

E se você não acredita que as drogas fizeram boas coisas por nós, faça-me um favor...

vá para casa, pegue todos os seus álbuns, pegue todas as suas fitas, todos os seus CDs e queime-os!

Porque você não quer os músicos que fizeram essas grandes músicas que elevaram nossas vidas."

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