Repetidas vezes escutamos da boca dos próprios cientistas que a cannabis causa esquizofrenia. Eles se agarram a esse argumento com tanta convicção que é difícil discordar. Será que não causa mesmo? A verdade é que, ao afirmar com tanta certeza que há uma relação causal entre o uso da cannabis e o aparecimento da esquizofrenia, eles estão cometendo um erro básico (pasmem, médicos e cientistas também cometem erros!) de ciência investigativa.
A maioria dos estudos indicando que a cannabis aumenta o risco de esquizofrenia, conforme explica o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, “trazem problemas metodológicos consideráveis”. Eles costumam analisar um grupo de pacientes com esquizofrenia e verificar quantos deles fizeram uso da cannabis; ou um número de usuários de cannabis e verificar quantos desenvolveram esquizofrenia. Nesse sentido, é possível encontrar uma correlação entre o uso da cannabis e a esquizofrenia. E é aí que nós esbarramos na primeira regra que muitos desses estudos insistem em ignorar: correlação não significa causa.
Eu gosto de explicar a importância dessa regra com algumas correlações absurdas, retiradas do site Spurious Correlations. Vale a pena entrar no site para se divertir com uma longa lista dessas correlações. O primeiro gráfico mostra a correlação entre o número de afogamentos em piscinas e o número de filmes em que o Nicolas Cage aparece. O segundo, o índice de divórcios no estado de Maine, nos Estados Unidos, e o consumo de margarina per capita.
E então? Devemos prender o Nicolas Cage por assassinato? Devemos alertar sobre os males que a margarina pode causar ao seu relacionamento? Claro que não. Essas correlações são, obviamente, acidentais. Uma olhada no site que mencionei e é possível observar que, se a gente procurar bem, dá para relacionar qualquer coisa a qualquer outra.
No caso da cannabis e a esquizofrenia, parece haver, sim, uma correlação. Weiser explica que essas relações podem ocorrer porque a os pacientes que sofrem de esquizofrenia também sofrem de uma alteração no sistema endocanabinoide, que os leva a buscar a cannabis com mais frequência do que pessoas que não sofrem dessa condição.
Entretanto, o fato de uma correlação não indicar causa, não elimina a possibilidade da causa. O que indica que, de fato, a cannabis não causa a doença, são estudos longitudinais, que observaram que, apesar de o número de usuários de cannabis variar de tempos em tempos, o número de pessoas com esquizofrenia e se mantém estável, afetando sempre cerca de 1% da população. Um desses estudos foi realizado na universidade de Keele, na Inglaterra, que conclui que em um período de 10 anos (1996 – 2005), há aumento considerável no consumo da cannabis no Reino Unido. Apesar desse aumento, conforme mencionado anteriormente, o número de pessoas que sofrem esquizofrenia se mantém o mesmo – com uma pequena redução entre os anos 2000 e 2005. Não se sabe o que causa, de fato, a esquizofrenia.
Ainda assim, médicos e cientistas parecem convencidos do contrário. Alguns estudos chegam a determinar um aumento no risco conforme a dosagem de maconha. Outro, sugere que a extinção do uso de cannabis levaria a uma queda de 7 a 13% no número de esquizofrênicos. Xavier da Silveira critica esses estudos e considera alarmante o fato de “que diversos destes trabalhos são publicados em periódicos considerados particularmente sérios pela comunidade científica”. Por que isso acontece? E por que profissionais da saúde continuam reafirmando informações falsas? Há duas possibilidades:
1 – Muitas vezes a comunidade científica comete erros que, após uma análise minuciosa, parecem óbvios. É por isso que é importante a publicação de todo trabalho científico em conjunto com uma crítica realizada por cientistas independentes. E muito frequentemente é difícil para um pesquisador, ou quem quer que seja, admitir um erro desses, ainda mais quando ele já defendeu publicamente e com muita categoria o seu achado.
2 – Há um grande número de pessoas com conflitos de interesse sendo ouvidas diariamente pela mídia. Quando o assunto é cannabis, há muitos casos de cientistas e médicos com interesse financeiro dando a sua opinião por aí. Seja dono de clínica de reabilitação com licitação na prefeitura, seja dono de patente de medicamento concorrente da cannabis, entre uma série de outros interesses.
Vale lembrar que, ainda assim, qualquer pessoa com histórico de doença mental faz parte de um grupo de risco e não deve usar a maconha sem acompanhamento médico.
O importante é que tenhamos uma política de drogas mais honesta. Quanto mais informada, melhor a população saberá lidar com as drogas, sejam elas legais ou não.