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ToggleO mês de outubro começou com duas importantes decisões judiciárias para duas famílias brasileiras: a família de Julia Sá, garota de 16 anos que possui uma doença degenerativa, ganhou um salvo-conduto provisório para plantar cannabis e o juiz decidiu conceder à família de Clárian Carvalho habeas corpus permanente para que possam cultivar a maconha com tranquilidade. Essa proteção garante que famílias não sejam presas, processadas ou tenham suas plantas confiscadas pela polícia.
O Brasil já possui uma cultura de autocultivo da maconha para combater o tráfico. Há décadas esses cultivadores enfrentam riscos e se organizam para lutar pelo acesso à informação e uma política de drogas mais justa. No entanto, a mídia se sensibilizou com o caso das famílias de crianças com epilepsia e atraiu a empatia do público brasileiro, pressionando a justiça a se mobilizar. Apesar da lentidão com que o Brasil adere a mudanças como essa — e ainda que se trate de apenas algumas famílias e somente os passos iniciais do processo — a proteção da justiça para cultivadores, em um Estado onde a erva é proibida, é inédita mundialmente.
O fracasso dos importados
Com o caso de Katiele Fischer e sua filha Any, portadora da síndrome CDKL5, rara forma de epilepsia refratária, a Anvisa decidiu, ainda em 2014, permitir, mediante aprovação especial, que famílias importassem produtos à base de cannabis. Esses extratos, no entanto, como é o caso do emblemático RSHO, da Hempmeds, são extremamente caros. Cada tubo chega a custar cerca de 200 dólares, sem contar com os impostos e taxas de importação.
No caso da Clárian, que já tem 14 anos e precisaria de alguns tubos por mês, a família calcula que o tratamento custaria por volta de 8500,00 reais por mês, o que é inviável para eles. No frenesi das aprovações e das importações, famílias tiveram que vender o carro (para um mês ou dois de tratamento), fizeram dívidas e lutaram na justiça para que o governo providenciasse o produto gratuitamente.
Muitas famílias receberam uma determinação da justiça de que o governo deveria pagar pela importação do produto. Algumas nunca receberam o extrato de maconha para realizar o tratamento de seus filhos. Não é de se surpreender. Conforme expressado pelas próprias famílias que realizaram importações dos produtos, esse custo pode chegar a 100 mil reais por ano, dependendo do peso e da necessidade da criança. No Brasil, segundo a ABE (Associação Brasileira de Epilepsia) há cerca de dois milhões de pacientes com epilepsia. E essa é apenas uma das enfermidades que podem ser tratadas com a cannabis.
Produção de medicamentos no Brasil
Enquanto isso, pesquisadores no Brasil tentam desenvolver medicamentos para sanar o problema dos importados. Um deles é Caio Santos Abreu, que largou a carreira de advogado em São Paulo e se mudou para Campinas para abrir uma farmacêutica que produza medicamentos com cannabis. Seus produtos estão sendo desenvolvidos na Unicamp, e o empresário estima que custarão até 30% menos que os produtos importados.
Problema resolvido? Vamos fazer alguns cálculos: se as famílias estão corretas ao afirmar que o custo chegue a 100 mil reais por ano, para que 2 milhões de pacientes tenham acesso a esses produtos, haveria um gasto de 200 trilhões de reais ao ano, um valor, no mínimo, absurdo. Se o medicamento desenvolvido no Brasil custar 30% a menos, esse valor ainda é altíssimo.
Contudo, estamos deixando de considerar que com uma grande quantidade de pessoas consumindo o produto, o valor deve diminuir consideravelmente. E também não estamos levando em conta que muitos pacientes podem não optar por esse tratamento. Então, vamos diminuir esse valor. Em vez de descontar 30%, digamos que haja um desconto de 99% no custo dos produtos à base de cannabis. 1% do que a importação dos extratos custa agora, seriam ainda impressionantes dois trilhões de reais, o valor de todo o PIB do Brasil.
Isso demonstra que seria impossível distribuir esses produtos de maneira igualitária. Somente famílias bem abastadas teriam acesso a esses medicamentos. A ironia da situação está no fato de que a cannabis pode ser produzida em casa, sem esse custo exorbitante para os pacientes ou os cofres públicos.
O cultivo
A grande sacada (que os cultivadores brasileiros têm repetido insistentemente nos últimos anos e sido sistematicamente ignorados) é que se as famílias plantarem maconha no quintal de casa e produzirem o extrato na cozinha, o tratamento de seus filhos sai virtualmente de graça. Isso significa que TODOS os pacientes teriam acesso à erva, sem depender da indústria e seus medicamentos de alto custo.
Argumentos contra o cultivo costumam ser os seguintes:
- É difícil cultivar e eu não tenho tempo.
- Como eu vou fazer o extrato e saber a quantidade de canabinoides que têm nele?
- O extrato feito em casa não é tão confiável quanto o da indústria.
- Eu tenho medo de ser preso ou processado por tráfico.
Vamos tratar esses argumentos um a um a seguir:
É difícil cultivar
Cidinha Carvalho, mãe de Clárian e presidente da associação Cultive, que oferece apoio a famílias de pacientes que usam a maconha para fins medicinais, conta que não é difícil cultivar. Cidinha e o marido, Fábio, ambos trabalham período integral, cuidam da filha com síndrome de Dravet, cultivam a cannabis e produzem um óleo caseiro. Além disso, participam voluntariamente do ativismo pelo direito do auto-cultivo e lideram a associação, que oferece material informativo e cursos sobre cultivo, história da proibição da maconha, sistema endocanabinoide, fitoterapia canábica, posologia, extração de óleo e instrução jurídica.
Cidinha conta que as plantas precisam de cuidado e um pouco de tempo para se dedicar a elas. “Para começar a plantar, primeiro é preciso ter vontade de aprender”.
Há bastante material informativo para aqueles que desejam aprender a cultivar cannabis. O Growroom oferece o download gratuito de um e-book de cultivo, que ensina todas as etapas para aqueles que desejam começar a plantar em casa.
Cidinha também conta que o cultivo é uma prática libertadora, já que a família tem agora controle sobre o tratamento da filha. “É um benefício saber que agora o alívio da minha filha só depende de nós”, diz ela. “Virou uma terapia cuidar das plantas, pegamos amor pela planta; ainda não é a cura, mas é o alívio que não encontrei em nenhum alopático”.
“Com uma safra você pode garantir até seis meses ou mais de remédio para o seu filho”, explica Cidinha.
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Produzindo extratos
Há diversas formas de produzir um extrato, como a descarboxilação, através do congelamento, diluição a álcool, etc. Cidinha faz a extração com gelo seco, que não precisa de equipamentos especiais ou muita habilidade na cozinha.
Para saber a quantidade de canabinoides presentes no extrato, é necessária uma análise laboratorial. Uma iniciativa realizada pela Apepi, no Rio de Janeiro, pretende sanar esse problema comprando os equipamentos necessários e oferecendo análises gratuitas para amostras fornecidas por famílias. É claro que um único laboratório não tem capacidade para analisar cada amostra de cada óleo produzido por famílias de todo o Brasil, mas é um começo. Com essas análises, será possível determinar padrões na variação de canabinoides e outras alterações nos extratos caseiros.
Enquanto isso, no entanto, famílias contam com a tentativa e ajuste de dosagem para determinar quanto do óleo seus filhos precisam para diminuir os sintomas e causar o mínimo de efeitos colaterais. Felizmente, os efeitos colaterais da cannabis são leves (se comparados aos medicamentos tradicionais para epilepsia, os efeitos colaterais são mínimos), e esse acompanhamento e ajuste pode ser realizado com um pouco de paciência.
Os próprios extratos importados não costumam possuir um teor exato de canabinoides, a não ser que se trate de canabinoides isolados em laboratório, que não estão ainda disponíveis no mercado. Depois de uma certa prática, portanto, é possível obter um óleo com teor mais ou menos consistente. Cidinha explica ser importante para ela “saber o que realmente estou dando para a minha filha; se você tem uma praga não vai usar veneno, se for o caso joga fora se não conseguir recuperar”. Ela conta que só usa produtos orgânicos para a jardinagem, pois quer afastar a possibilidade de algum agrotóxico exacerbar as crises da Clárian.
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Os riscos
Os riscos da produção caseira de tratamento à base de cannabis estão mais associados a problemas com a justiça do que com o produto em si. É natural ter medo da ação da polícia e de ter o tratamento de seu filho confiscado. No entanto, diversas famílias Brasil afora estão enfrentando esses riscos por temerem muito mais as crises da epilepsia refratária em seus filhos. Enquanto as famílias que já receberam salvo-conduto podem se sentir mais tranquilas para cultivar suas ervas, outras podem iniciar o processo na justiça.
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Quanto mais famílias conseguirem proteção da justiça para cultivar a maconha, mais difícil será para o governo ignorar que o tratamento com cannabis existe, está sendo utilizado em larga escala, e não pode continuar proibido.
O cultivo é a forma mais igualitária de acesso a um tratamento com cannabis. Os custos são baixos e a qualidade do produto final não depende de renda, mas do cuidado com a planta e o processo de extração.
O que varia, contudo, é a probabilidade de cultivadores terem problemas com a justiça, dependendo de sua renda, etnia e local onde moram. Ao analisar os dados da população carcerária disponibilizados pelo ministério da justiça, podemos afirmar que para uma mãe de classe média com mais de 30 anos, as chances de ser presa por plantar maconha são extremamente baixas se comparadas a um jovem de até 29 anos, do sexo masculino e até o ensino fundamental completo, por exemplo. Ainda mais se a documentação (prescrição médica, autorização da Anvisa, etc) estiver em dia.
O risco existe, sim. Cabe à família decidir se esse risco vale a pena. Enquanto isso, a luta pelo direito ao cultivo segue forte.