A tão esperada “nova ordem mundial” chegou, e a regulação da maconha, que até ontem era uma utopia, hoje já pode ser vista em alguns lugares do mundo.
Emílio Figueiredo
Nos EUA, a população de vários estados votou pela legalização e regulamentação medicinal. No Uruguai, foi aprovada uma lei que estatiza o fornecimento de cannabis como forma de combater o narcotráfico. Outros países, como Israel, Alemanha, Portugal, República Tcheca, Espanha e Itália, também já adequaram suas leis quanto aos direitos dos usuários. Enquanto isso, na contramão das políticas de redução de danos, a legalização no Brasil ainda é tratada como algo inviável, uma utopia, pela grande maioria dos políticos e autoridades públicas.
É comum a alegação por parte dos governantes de que o país não está preparado para um mercado regulado de maconha. Enquanto isso, a sociedade brasileira vive a distopia da proibição, que junta o extermínio de jovens pobres das periferias com a impossibilidade dos usos medicinais da planta.
Não deveria ser assim, pois aqui há lei para tudo, e, se a maconha não fosse proibida, seria mais fácil enquadrá-la no ordenamento jurídico. Suas sementes poderiam ser cadastradas no Sistema Nacional de Sementes; seus consumidores seriam protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor; a propaganda estaria regulada conforme ao que é feito com o tabaco e álcool; e o uso medicinal poderia ser amparado por um misto entre a regulação das ervas medicinais, dos fitoterápicos tradicionais e dos remédios controlados, entre tantas outras normas vigentes.
Contudo, a maconha é algo ilícito pela nossa legislação e o tratamento dado pelo Poder Publico no Brasil se restringe a criminalizar o usuário, algo que só tem criado novos problemas, como violência armada e superlotação carcerária.
Vivemos um momento em que é preciso olhar para quem está na vanguarda da regulação da maconha no mundo para criarmos nosso próprio modelo, considerando a peculiaridade do Brasil ser um país com tantas diversidades. A nossa Constituição não impede a regulação da cannabis. Até mesmo a Lei de Drogas em vigor prevê “autorização legal ou regulamentar para o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais” como forma de excludente da ilicitude prevista em seus artigos. Ou seja, o que falta é apenas vontade política.
Além disso, a regulação da maconha deve ter como objetivo transformar o ônus criado pela proibição em um bônus para a sociedade, deixando de gastar com a “guerra do tráfico” e passando a arrecadar tributos com o novo mercado regulado, criando-se, assim, novas condições para educação sobre drogas e atenção psicossocial às pessoas em situação de risco. Criando também condições para que sirva como reparação histórica para as comunidades que até então foram massacradas pela política de guerra.
Diante dessas diferenças entre a realidade mundial e a nacional, restam ao Brasil duas alternativas: ou continua a “enxugar o gelo” da proibição ou adota uma política alternativa e inovadora, que conjugue a liberdade individual com a educação sobre drogas e a atenção a quem necessita. Para isso, é preciso coragem para transformar esta “utopia” da regulação em realidade. Só assim daríamos um fim a esta distopia da guerra mantida com o sofrimento de milhares de brasileiros que é o real resultado das políticas de proibição.
Emílio Figueiredo é advogado e consultor jurídico do Growroom.net