Por Sergio Vidal*,
Essa é uma pergunta capciosa, quase uma armadilha. Se respondida apenas com um ‘sim’ ou ‘não’, reduziríamos uma questão impossível de ser esgotada de forma simples, que envolve muitos fatores de ordem econômica, política, social e cultural. Afinal, a maconha, planta da qual se prepara o fumo usado por milhões de pessoas no mundo inteiro, não serve apenas para ‘curtir um barato’.
Atualmente existe um mercado lucrativo que utiliza as partes não-psicoativas da planta em indústrias dos setores têxtil, alimentício, automobilístico, de bio-combustíveis, entre outros. As partes psicoativas da planta são usadas na indústria farmacêutica e na medicina por suas propriedades terapêuticas no tratamento de diversos tipos de enfermidades, entre elas câncer, glaucoma, Aids, asma, dores, etc. Além disso, a planta é um elemento central em diversas comunidades tradicionais em todo o mundo, considerada sagrada por diversas culturas e utilizada em rituais religiosos, inclusive no Brasil.
Apesar disso tudo e de no passado o Estado brasileiro ter tolerado e até estimulado os diversos usos da planta, no início do séc. XX, a proibição passou a ser usada como ferramenta de controle social das populações negras, pobres e marginalizadas, cujos hábitos eram considerados “doenças sociais”. A proibição proporcionou a criação e crescimento de um mercado ilegal da droga, que atua de diversas formas ampliando aspectos perversos dos problemas da sociedade brasileira: violência urbana e rural, corrupção, criminalidade, desigualdades social e econômica. Ao criminalizar, a Lei não consegue realizar os principais objetivos que se propõem: garantir acesso à saúde pública, cidadania e segurança aos cidadãos.
Defender mudanças nas atuais políticas públicas e leis não significa afirmar que as drogas são inofensivas. É claro que a maconha e outras drogas podem causar problemas, mas é ainda mais certo que quando proibidas elas trazem danos muitos piores, que atingem não apenas os usuários, mas toda a sociedade.
O fato de que informações tão simples e difundidas não serem de conhecimento público, como a de que a maconha não é apenas uma droga, é apenas um dos sintomas de quão atrasada é a discussão em nosso país.
Os caminhos possíveis podem ser longos e apresentar muitos percalços e entraves, mas se admitimos que o atual contexto prejudica todos, usuários ou não, um dia iniciar a caminhada por outros rumos tornar-se-á uma necessidade, não apenas possível, mas imperativa e inadiável.
*Publicado originalmente no Jornal A Carapuça