Quem é a Linna Ramos? Sou mulher negra e maconheira, tenho 30 anos, professora de Educação Física da UEFS, militante do PSOL, desde 2006, e do movimento Juntos Negras e Negros. Nasci em Natal (RN), sou filha de mãe solteira e, aos 8 anos, me mudei para Belém (PA) com minha mãe e meus irmãos. Há sete anos moro em Salvador (BA), onde me tornei maconheira assumida e entrei para a luta antiproibicionista.
Quando e como você conheceu a maconha? Conheço a maconha desde a adolescência. Muitos amigos da época já tinham experimentado. Não criminalizava quem fumava, mas achava algo feio e errado para uma mulher. Foi com o movimento estudantil, depois de entrar na universidade, que pude ter outra perspectiva do uso da maconha. Todo mundo achava que eu já era maconheira antes de ter fumado meu primeiro baseado, aos 22 anos, em Belém, no show do Eric Donaldson.
Como se deu seu envolvimento com a luta pela legalização? Estava nas ruas em junho de 2013 e pude perceber amplitude para reivindicar pautas até então tidas como tabus. Junho de 2013 foi uma quebra de tabus. Questões como negritude, feminismo, LGBTfobia e antiproibicionismo foram pautas que também apareceram com força no conjunto da luta pela reforma política e em defesa da educação, saúde, transporte, cultura e educação “padrão FIFA”. Nesse mesmo ano, o Uruguai entrou na rota da legalização e, depois, em 2014, pude conhecer Montevidéu. Voltei de lá com a cabeça para fora do armário, pois sentia propriedade e representatividade para falar do assunto. Após junho de 2013, também conheci muito a juventude secundarista que vive na pele os impactos da política racista e proibicionista. É essa juventude que estava nas ruas em 2013 ensinando como se luta em tempos difíceis. A relação entre o racismo e a política de guerra às drogas foi o elemento que me fez sentir mais segura ainda, pois tenho percebido que o tabu de falar sobre maconha e legalização se chama racismo. Precisamos falar de racismo e, mais, precisamos acabar com ele.
Porque pensa que a legalização é, hoje, uma pauta prioritária no Brasil? Antes de tudo, é preciso reconhecer que a guerra às drogas é a principal causa do extermínio da juventude negra no Brasil. É, na verdade, uma guerra ao povo negro e pobre. Estando em Salvador, a cidade mais negra fora da África, reflito muito sobre a necessidade de uma outra política sobre drogas. E é aí que entra a legalização da maconha. Mais que pelo direito ao uso individual, defendo a legalização para que o povo negro pare de sofrer e morrer. A guerra não é contra quem fuma maconha na varanda do apartamento, muito menos contra quem anda por aí de helicóptero com 450 kg de cocaína. Precisamos legalizar para a negritude viver.
Como analisa a atual situação da política de drogas brasileira? Acredito que fatos podem dizer muito sobre como funciona a política brasileira de drogas. Cláudia, Amarildo, DG e os 12 do Cabula são, infelizmente, exemplos de como a Polícia Militar e a guerra às drogas servem ao encarceramento, à tortura e ao extermínio de jovens negros e periféricos. Esta guerra e seus agentes precisam acabar de vez.
Acredita que avanços ainda podem vir do STF, que está com o RE 635.659 travado com o ministro Teori Zavascki? Seria uma aprovação muito importante para o conjunto da população, sobretudo a população negra, que é a mais atingida pela criminalização do usuário e pela indefinição do que é considerado traficante. Seria um marco importante na luta das pautas democráticas. Porém, se esta ação não vier relacionada com a desmilitarização da Polícia Militar, por exemplo, a juventude negra continuará a morrer como bode expiatório da guerra a outras drogas. A expectativa é que, se houver mobilização e pressão da sociedade, é possível sair algo do judiciário conservador. Já passou da hora de levarem em consideração os exemplos de países que legalizaram a maconha.
O cultivo caseiro é um importante pilar da luta. Como observa a importância dessa prática? Quem pode cultivar em casa e sair da roda-viva do tráfico? Com certeza, não é a galera da quebrada, da favela, que vive onde o Estado só aparece para reprimir, assediar, prender e matar. Acho legal que se consiga plantar em casa, é igual comida caseira. Você sabe o que tem ali e não se sujeita a pegar maconha que vem com muito mais amônia e casquinha de barata, por exemplo. Acho que a importância dessa prática é demonstrar a hipocrisia da política de drogas no Brasil. Mas isso é limitado para a luta da legalização. Tem que “racializar” o debate, caso contrário ele fica vazia de sentido para a maioria da população.
Outro importante ponto é o medicinal. Como você percebe essa questão? Penso que muito passa pela concepção do que é medicinal. A maconha é utilizada medicinalmente pela negritude há muitos séculos no Brasil. Seu uso alivia as tensões do dia duro de trabalho, cargas de estresse e, também, as tensões das dores do racismo, do machismo e da opressão que sofremos diariamente. Para as mulheres, por exemplo, seu uso pode aliviar bastante as cólicas menstruais. O fato é que não se tem uma política de educação daquilo que você consome, seja fumando, bebendo, comendo ou cheirando. E isso implica em também não conhecer os efeitos da maconha no seu corpo, que não é igual ao do vizinho.
Como analisa a importância de ter mulheres como você encampando a causa canábica? O movimento canábico é muito machista. Não é raro associar legalização da maconha e mulheres, para mercadorizar, objetificar e hiperssexualizar o corpo da mulher. Há muitas mulheres militantes feministas que problematizam essa questão e trazem importantes críticas e contribuições ao movimento. Nós, mulheres, não somos educadas para ocupar a política. Isso tudo é ousadia. Então, muito respeito para as minas que não passam beck para machista. A importância de ter mulheres engajadas na luta antiproibicionista é demonstrar que, se me sinto sexy quando fumo maconha, não é para satisfazer o prazer do homem, e sim o meu. De deixar para a luta antiproibiconista a lição de que no meu corpo mando eu. O que uso ou deixo de usar não é justificativa para violência e assédio, quero curtir minha lombra assim como você. Quem mais sofre com a política de guerra às drogas são as mulheres negras, que são as mais assediadas e agredidas pela ação policial, as mais hiperssexualizadas, encarceradas , silenciadas e invisibilizadas. A importância de cada uma de nós é incentivar e chamar mais mulheres, sobretudo negras, para a luta antiproibicionista. A legalização tem que ser feminista e negra.
A lei de drogas é federal. Como um vereador pode apoiar a causa antiproibicionista em âmbito municipal? Podemos promover politicas no âmbito da saúde, educação e segurança pública que contribuam para a demonstração efetiva de que é possível realizar outra política de drogas no Brasil. Em Salvador, onde a maioria da população é negra, é fundamental que a Guarda Municipal não trate a questão do uso da maconha como caso de polícia; que as mulheres encarceradas tenham garantida assessoria jurídica e social para suas famílias; que tenhamos uma política baseada na redução de danos para tratar a população dependente de drogas em situação de rua; que a política de formação envolva escola e comunidade para discutir os efeitos da maconha, bem como os efeitos sociais da proibição e criminalização.
Quais as suas propostas como vereadora? Através do medium.com/@linnaramos, pode ser visualizado o conjunto de propostas para Salvador. Trouxemos para as eleições propostas que façam de Salvador uma cidade das mulheres, com políticas que prezem pela segurança e saúde da mulher; que tornem Salvador uma cidade mais aconchegante que o antigo armário para as LGBTs; que garantam transporte, lazer e cultura para a juventude; que descriminalizem a cultura hip hop e valorizem a cultura negra; e que impeçam que policiais obriguem jovens negros a engolirem bagas de maconha nas quebradas.
O que a levou a se candidatar levantando a bandeira da maconha? Sou mulher negra, jovem e trabalhadora. Não me sinto representada como tal pela política institucional vigente. Penso que também é hora de ocupar esses espaços institucionais, combinados com ações de rua para lutar por uma democracia real, sem racismo, machismo, LGBTfobia e proibicionismo. É a vez das mulheres negras. Nossa luta muda o mundo.