Quem é o Mauro Leno? Nasci em Sete Quedas (MS), em 1983, e cheguei a Curitiba em 1991, com 8 anos. Há mais de uma década, vivo com minha companheira, Andrea, que é psicanalista, e somos pais de um casal, Caetano e Isadora. Sou Cientista Social e mestre em Antropologia Social pela UFPR, além de servidor federal da FUNAI e sócio da revista semSemente, primeira publicação sobre canábis do país.
Como e quando conheceu a maconha? A primeira vez que vi e experimentei canábis foi com 14 anos, numa festa de amigos em Curitiba. Só me reconheci usuário mesmo aos 19 anos, com um uso mais cotidiano. A maconha que conheci era um quadrado duro enrolado com fita, cercado de temores e represálias. A consciência sobre a planta veio depois. Hoje, mais que usuário, eu advogo em favor da planta, pois quero vê-la redimida de um século de difamação e proibicionismo.
Como e quando se envolveu com a luta pela legalização? Sou militante antiproibicionista desde 2002, quando iniciamos em Curitiba as discussões sobre o status legal de algumas substâncias e construímos o Comitê Nacional Pela Legalização do Cânhamo: Plantando a Paz. Esse comitê, junto a outras organizações, realizou as primeiras marchas da maconha na capital paranaense, que foram majoritariamente discutidas através do Growroom. Junto à militância no movimento estudantil e no antiproibicionismo, também milito por direitos humanos e, nos últimos anos, junto ao movimento indígena.
Como analisa a atual situação da política de drogas brasileira? Vivemos praticamente uma guerra civil, em alguns municípios brasileiros. Temos uma polícia com a chancela jurídica para matar e com treinamento para ter como alvo determinado segmento populacional. Existe um extermínio cotidiano da juventude periférica e um encarceramento irracional de outra parte desta juventude. A guerra às drogas é um instrumento de controle social, de criação de estereótipos, de manutenção de um sistema excludente, de violação de direitos humanos. Em nível nacional, com os “500 ladrões” que tomaram o país de assalto, o cenário é de grande retrocesso, com retirada de pautas que vinham sendo construídas. O fato de as políticas de drogas estarem jurisdicionadas ao ministro Osmar Terra (ou Trevas), é um claro indicativo de que o discurso de guerra ás drogas será novamente alçado a política pública prioritária, com o favorecimento das comunidades terapêuticas. A expectativa é de que se pare a expansão dos CAPS-AD e que sejam exterminadas as políticas de redução de danos. Os parcos avanços que conseguimos, pela via legislativa ou executiva, se tornarão pautas menores para o atual governo ilegítimo. Quanto a uma possível legalização entrar em pauta nos próximos dois anos, acho impossível, neste cenário. O projeto de lei do deputado Jean Wyllys está na fila, mas acho difícil que o coloquem em votação e, mais difícil ainda, que haja um resultado favorável.
Acredita que avanços ainda podem vir do STF? No tocante à descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, creio que, se não unânime, como nas ações da Marcha da Maconha em 2011, teremos outra vitória expressiva. Com relação à canábis, é quase certa a descriminalização, mas, como antiproibicionista, sigo o relatório do Gilmar Mendes e advogo pela descriminalização do porte de qualquer substância para uso pessoal. Creio que a judicialização da política é um caminho que seguimos nas ações da Marcha e agora, neste RE, pois é mais fácil mostrar a falta de lógica da proibição a menos de uma dezena de magistrados que a centenas de deputados, muitos deles analfabetos políticos e funcionais. Assim que for colocada em pauta esta questão no STF, creio em uma vitória e espero que se siga a lógica da Argentina, Colômbia, Equador e de tantos outros países. Porém, reforço: só legalizar o porte não resolve nem 5% do problema relativo à proibição das drogas. Precisamos regulamentar todo o processo, do cultivo ao consumidor final.
Como observa a importância do cultivo caseiro? O cultivo caseiro é uma das atitudes militantes mais importantes, pois proporciona um novo entendimento e relacionamento com a planta. Além, claro, do impacto financeiro sobre o tráfico e dos impactos sobre a saúde do usuário que decide cultivar. Mas muitos ficam presos entre a decisão de cultivar e o risco de terem problemas judiciais, ou mesmo carreiras prejudicadas por tal atitude. É um contrassenso tremendo prender alguém que cultiva o que consome para se desvincular do tráfico, e ainda fichá-lo como traficante. O risco ainda afasta muitos dos que já se convenceram, teoricamente, que o cultivo é o caminho para mais qualidade e nenhum relacionamento com o tráfico. Por isso, é preciso dar o mínimo de segurança jurídica a quem cultiva para uso próprio, ao menos com a defesa jurídica em casos de cultivadores presos injustamente. Agora, é óbvio que o cultivo, por si só, não resolve a questão da demanda por canábis no mercado brasileiro. São mais de 10 milhões de usuários e muitos não terão nem a disponibilidade de tempo nem o desejo de cultivar. São pessoas que preferem comprar sua canábis nas farmácias e dispensários, pagando os devidos impostos para tal. E não podemos cristalizar, na lei, a obrigação destas pessoas de cultivar. Precisamos regulamentar, de forma clara, quantidades e parâmetros para o cultivo legal, bem como as etapas da perícia judicial envolvendo a canábis.
Outro pilar da luta é o medicinal. Como você analisa essa questão? Acho inconcebível que pessoas tenham negado seu acesso à saúde, de forma integral e a partir dos métodos que estiverem disponíveis, como preconiza o SUS. Mas, claro, em um mercado tão lucrativo como o farmacêutico, e com os potenciais danos que o uso da canábis medicinal traria e trará a estas corporações, o lobby para que apenas compostos sintetizados sejam permitidos é grande. Inclusive com alguns pretensos “militantes” querendo surfar nesta má onda. Deve-se combater qualquer lobby farmacêutico pelo simples princípio de que não é lícito lucrar indiscriminadamente com a doença e a vida da pessoas. Mas, neste caso em especial, é preciso difundir conhecimento, ensinar os pacientes a plantar e extrair suas tinturas, seus remédios, mostrar por A mais B que é possível produzir aqui o que se compra a preços exorbitantes do exterior. Precisamos regulamentar tanto o cultivo medicinal como a produção e a comercialização nacional destes remédios, a partir de um viés que privilegie iniciativas fitoterápicas com a erva.
A lei de drogas é federal. Como um vereador pode apoiar a causa antiproibicionista? Em âmbito municipal, mais especificamente em Curitiba, a atuação do vereador pode contemplar desde a defesa de cultivadores presos injustamente até a promoção de debates públicos sobre o tema, passando pela resistência ao lobby das clínicas terapêuticas, que na última conferência municipal sobre drogas foram majoritariamente presentes. Pode contemplar, também, o treinamento e o combate à militarização da Guarda Municipal, a ampliação dos consultórios de rua do programa Intervidas e do sistema de CAPS-AD, além da implementação de políticas de redução de danos. É importante lembrar que Curitiba é a cidade onde apresentadores de programas policialescos se tornam políticos, com plataformas de ataque aos Direitos Humanos, na tônica do “bandido bom é bandido morto”. Vide Alborghettis, Aciollis e Ratinhos, pai e filho. É onde Francischinnis da vida comandam a segurança pública, surrando professores e massacrando a juventude. É preciso alguém que faça a resistência na Câmara machista, homofóbica, proibicionista e conservadora de Curitiba.
Quais as suas propostas como vereador? Nosso programa se divide em quatro eixos. O primeiro, “Empoderar para Transformar”, trata de empoderar os mais invisibilizados pelas políticas públicas municipais: migrantes, indígenas, população em situação de rua, povo de santo e LGBT+. O segundo, “Educar para Transformar”, busca uma educação que forme cidadãos conscientes e ativos politicamente. Assim, proponho a prática de pedagogias libertadoras no ensino municipal, com pelo menos uma escola Waldorf, uma da Ponte e três de orientação Freyreana. Também defendo criar a Universidade Cidadã, zerar o déficit de vagas em creches, fiscalizar as políticas de inclusão educativa no município e valorizar os servidores da educação municipal. Em “Cuidar das Pessoas e da Cidade” proponho a criação das Casas de Nascer Curitibanas, para experiências de nascimento fora do ambiente hospitalar, mas com a segurança de um sistema público de saúde, além de outras práticas de parto humanizado e da ampla aceitação das doulas. Também incentivo a adoção, inclusive por casais homoafetivos, e a recuperação da Bacia do Rio Belém e Rio Ivo, além de políticas de mobilidade urbana que privilegiem pedestres e modais alternativos. Por fim, “Legalizar a Vida” trata de discutir o caráter ilegal de determinadas substâncias e combater a guerra às drogas, que é uma justificativa para o extermínio da juventude negra e periférica. Pretendo alavancar o debate público sobre a regulamentação da canábis, em seus usos medicinais, religiosos, industriais e recreativos. Também criaremos a Cartilha dos Direitos e Deveres dos Usuários de Drogas, com informações jurídicas, legais e sociológicas sobre a guerra às drogas e a desmilitarização da polícia. Pretendo, ainda, estimular a criação de clubes de cultivo e outros mecanismos que viabilizem que mais pessoas se desvinculem do tráfico, defendendo cultivadores que porventura tenham sido presos como traficantes. Como Curitiba concentra ao menos 10 startups do mercado canábico, também temos a ideia de criar uma incubadora cooperativada específica para projetos envolvendo esta temática.
O que o levou a se candidatar levantando a bandeira da legalização da maconha? A vontade tremenda de estancar e reparar algumas injustiças, as lutas às quais me dedico há tempos e a possibilidade de, com um mandato, amplificar a defesa de determinadas pautas e ampliar a capacidade de atuação nestas causas. Também parte do entendimento de que o movimento antiproibicionista é um dos com mais protagonismo na busca por uma sociedade mais justa e equânime. Jamais teremos democracia quando parte significativa do sistema político, jurídico, policial e midiático está a serviço de um poder paralelo que corrompe e mata. E, pela questão do uso de drogas atravessar toda a sociedade, do rico ao pobre, do branco ao negro, da mulher ao homem, do conservador ao militante de esquerda, é um dos movimentos mais preparados e capazes de propor transformações profundas na sociedade.