O debate sobre a política de drogas no México acaba de fechar um capítulo importante com a sanção da “Lei do narco-varejo” que estabelece quantidades mínimas de droga que separam os portadores em duas Categorias: usuário e vendedor. No entanto, outro capítulo importante está em plena ebulição com o conjunto de iniciativas legislativas propostas que visam descriminalizar e legalizar a produção, comercialização e consumo de maconha.
O Senador René Arce, do Partido Revolucionário Democrático – PRD, é um dos legisladores por trás da proposta, que ainda terá de enfrentar vários debates legislativos e de opinião. Embora controversa, a idéia já foi discutido em outro lugar. Recentemente, o próprio governador do Estado da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, aceitou a oportunidade de discutir a viabilidade da legalização da maconha. Nesta entrevista, René Arce explica a proposta acerca da maconha e explica o alcance da recentemente aprovada lei do narco-varejo.
Como vão os debates sobre a nova legislação sobre a maconha?
Mais do que uma nova lei, é uma iniciativa para reformar duas leis (Lei Geral de Saúde e a Lei de Impostos Gerais de Importação e Exportação) assim como o Código Penal Federal e o Código Federal de Processo Penal. Sua finalidade é regularizar e legalizar o cultivo, produção, transporte, trânsito, transferência, distribuição, fornecimento, comercialização, prescrição, consumo e exportação de maconha (canabis sativa indica, e americana), suas sementes e produtos. A iniciativa foi apresentada em 6 de Novembro de 2008 na Plenária do Senado e está sendo discutida, sem uma data específica para sua conclusão.
De onde surgiu a iniciativa? Não é fácil para países como México e Colômbia irem para a vanguarda das políticas de drogas… Como nasceu iniciativa?
A iniciativa vem, por um lado, da constatação do completo fracasso da estratégia proibicionista e criminalizante instrumentada extensivamente desde a segunda metade do século XX no mundo, contra o uso indevido e o tráfico ilícito de entorpecentes e substâncias psicotrópicas. Por outro lado, vem também a consideração de que para enfrentar com eficácia o narcotráfico é necessário que o consideremos fundamentalmente como um grande negócio internacional que gera lucros enormes (cerca de 30 bilhões de dólares apenas no México e US $ 500 bilhões no mundo inteiro, segundo dados conservadores das Nações Unidas), o que determinou que as organizações criminosas tivessem considerável poder político e econômico, poder de fogo, logística e de operação.
Portanto, a iniciativa destina-se a apontar para o caminho de construção e implementação de um novo paradigma para a luta contra o tráfico de drogas, um paradigma que se desloque do proibicionismo para a esfera da saúde pública, com ênfase na prevenção, na redução de danos, no tratamento e reabilitação de toxicodependentes, bem como a liberdade individual de escolha dos cidadãos.
A sociedade mexicana concorda com esta proposta?
Há pelo menos dois antecedentes que eu quero destacar: no número 8 da revista Generation, em agosto de 1996, dedicada à maconha, foi divulgado um manifesto assinado por 87 intelectuais, jornalistas e acadêmicos de prestígio do México, entre eles Carlos Monsiváis, Roger Bartra, Juan Villoro, José Agustín, Elena Poniatowska, José Luis Cuevas, Juan Jose Gurrola, Homero Aridjis, René Avilés Fabila, que em sua maioria afirmou o seguinte: “… exortamos a todos os atores de nível nacional, às autoridades, os partidos políticos e outras organizações sociais, bem como às câmaras legislativas discutir, sem falsa moralidade e seriedade, sobre a descriminalização da maconha (das drogas proibidas, a mais produzida e consumida no México) como um primeiro passo para desmantelar as redes de tráfico de drogas e num futuro, na legalização, com as particularidades de cada caso, o uso de outras drogas, muitas delas menos prejudiciais do que álcool ou tabaco”.
Além disso, em 14 de Outubro de 2008, um mês antes da iniciativa apresentada ao Senado, na Assembléia Legislativa Distrito Federal – ALDF (equivalente à Câmara dos Deputados local) foi apresentado pelo grupo de maioria parlamentar (do PRD), uma iniciativa de reformas legislativas para legalizar o cultivo, distribuição e consumo de maconha. Ambas as iniciativas levaram à realização de dois importantes fóruns para a discussão sobre o tema, uma organizada pelo ALDF e outra, pela Câmara dos Deputados, onde autoridades federais e estaduais, como cientistas, intelectuais, acadêmicos, jornalistas, artistas têm expressado opiniões a favor e contra as iniciativas. Na mídia, tanto impressa quanto eletrônica, a questão foi abordada de forma recorrente, o que ajudou a lidar de forma mais cuidadosa e este é precisamente um dos objetivos fundamentais na apresentação da iniciativa para legalizar o Senado.
O senhor poderia explicar resumidamente as alterações propostas?
Levaria muito tempo para detalhar aqui as várias alterações propostas para cada uma das duas leis e códigos penais federais, de modo que tentarei fazer um balanço dos aspectos mais importantes. A Lei autorizará o governo federal a adquirir todas as safras e definir as áreas onde o cultivo de canabis será autorizado, o que irá permitir um controle adequado de todo o processo associado com a legalização da maconha; será proibido vender mais de 5 gramas de canabis para cada consumidor; não será permitido o acesso de menores de idade a estabelecimentos autorizados a vender a maconha, será proibida a venda ou entrega de maconha, sua resina ou preparados para os menores, não permitindo o uso de maconha em locais públicos ou estabelecimentos não autorizadas pelo Ministério da Saúde, de modo que os domicílios particulados serão considerados como livres para o consumo. Se autorizará o cultivo de plantas até cinco pés de canabis para uso pessoal, usos terapêuticos, não-comerciais ou ornamentais em casas particulares.
A exportação de canabis será regulamentada pelo Executivo Federal em conformidade com as leis nacionais e internacionais. Se estabelecerá uma proibição expressa de publicidade relacionada à canabis e seus derivados, exceto campanhas de governo ou de organizações cívicas e sociais que visam à prevenção do abuso e reabilitação de dependentes em drogas. As sanções penais deixarão de ser uma parte constitutiva da Lei Geral de Saúde. É um equívoco que as leis gerais dos problemas de saúde, educação, cultura ou similares, tornam-se substitutos ou anexos do Código Penal. Devido a isto, todas as penalidades relacionadas com o espírito desta reforma são encaminhadas para o Código Penal Federal. Para ser coerente com a proposta de que é o Código Penal Federal, que contém as sanções, se adicionará um capítulo inteiro sobre as questões relativas ao narco-varejo, e especificamente sobre este assunto voltarei mais tarde. Ela também pune aqueles que se aproveitaram da legalização da maconha e produtos derivados, com a intenção de ocultar a prática de crimes contra a saúde ou relacionados, como seqüestro, tráfico de armas ou de pessoas, lavagem de dinheiro, anéis de pedofilia ou de outros.
Obviamente, é removido como cultivo ilícito o de canabis sativa ou Canabis indica e americana. Importações e exportações de maconha e os produtos derivados serão tributados de acordo com as regras indicadas na lei aduaneira e das leis relativas à sua implementação. Os Governos dos Estados da Federação realizarão a verificação e vigilância sanitária dos estabelecimentos que vendem ou fornecem ao público canabis sativa ou canabis indica e americana, a resina (haxixe), seu óleo (hash), as suas sementes e produtos derivados.
Como foi o processo de elaboração e aprovação da lei recentemente aprovada sobre o contrabando de drogas?
Estas alterações legais já aprovados acerca do narco-varejo enfatizam a prevenção, tratamento e reabilitação de toxicodependentes, obrigando o Ministério da Saúde a desenvolver e implementar um Programa Nacional de Prevenção de Dependências e, simultaneamente, descriminalizar o consumo, colocando este problema na esfera da saúde pública. Para este efeito, foi desenvolvido e aprovado uma Tabela de Orientação de Doses Máximas para Consumo Pessoal e Imediato que permite aos consumidores as seguintes quantidades de estupefacientes ou psicotrópicos: ópio, 2 g; diacetilmorfina ou heroína, 50 mg; Canabis Sativa ou Canabis Indica, 5 g; cocaína, 500 mg; dietilamida (LSD), 0,015 mg; MDA, metilenodioxianfetamina, pó, granulado ou cristal, ou 40 mg, comprimidos e cápsulas, uma unidade de peso não superior a 200 mg de MDMA, dl-34 – metilendioxin-dimetilfeniletilamina, 40 mg ou uma unidade de pesagem não superior a 200 mg; metanfetamina, 40 mg ou uma unidade de pesagem não superior a 200 mg.
Agora, se a quantidade de entorpecentes obtida é menor que a multiplicação por mil do montante autorizado para consumo pessoal na tabela, então se tipifica, sanciona e combate como narco-varejo; Se a quantidade de narcótico obtida é igual ou superior à multiplicação por mil do montante autorizado para consumo pessoal na tabela, então se tipifica, sanciona e combate como tráfico de drogas. Isso, então, determina a competência das autoridades federais ou locais para a prevenção, repressão, investigação e punição do crime e a execução de sentenças em virtude de ser tratar de narco-varejo ou de tráfico de drogas. (Clique para mais informações sobre o Direito do tráfico de drogas).
Quais são as implicações da lei? Isto é, por um lado seus defensores afirmam que não se pretende a legalizar das drogas no México, mas fortalecer os seus novos poderes para lutar pela polícia, mas os críticos dizem que vai estimular o consumo ou perseguir justamente o pequeno comerciante não o “Peixe Grande”, qual é a sua opinião sobre isso?
A iniciativa de reforma legislativa que apresentei em Novembro passado visa à legalização da canabis e seus derivados, como uma estratégia para o desmantelamento do sistema de operações que vão desde a produção, tráfico e venda ilegal de medicamentos para essas operações lavagem de capitais financeiros, comerciais e de dinheiro pelo crime organizado pode obter o lucro de bilhões, que são sua principal fonte de poder para corromper e infiltrar as autoridades policiais; dominar, intimidar e até mesmo impor às autoridades políticas, e agora tenta dominar territórios e erigido em alguns lugares, como um poder paralelo ao Estado.
Sempre que surgem iniciativas para descriminalizar o uso de drogas, surge também a questão de como sustentar a ética com a favor da legalização do consumo e não a legalização da venda, qual é a sua opinião?
Neste caso, estamos propondo a legalização tanto do consumo quanto da venda de canabis, sob controle do Estado, com foco na prioridade de saúde pública e prevenção da adicção, como já foi descrito acima. Na iniciativa tomada por mim, não existe uma antítese ética nesta questão.
Um recente estudo diz que o número de toxicodependentes no México subiu para 300 mil, dobrando nos últimos seis anos e o medo dos setores mais conservadores é que a nova lei irá aumentar ainda mais o consumo. A lei prevê Mecanismos de prevenção de uso?
O problema é ainda maior: a Pesquisa Nacional de tóxico-dependência que foi feita no ano passado (2008) constatou que no México o consumo experimental de a droga aumentou, em apenas seis anos, 28,9%, passando de 3,5 a 4,5 milhões de pessoas, sendo as crianças e os jovens os estão sob a mira dos traficantes de drogas. O número de usuários crônicos aumentou em 51%. Segundo os dados divulgados em 2002, 307 mil pessoas eram viciadas, enquanto em 2008 este valor ascendeu a 465 mil. Ao anunciar os resultados do Levantamento Preliminar o Secretário Nacional da Saúde [o equivalente ao Ministro da Saúde], José Angel Córdova Villalobos disse: “Em todo o país 465 mil necessitem de cuidados especializados; quatro milhões de pessoas necessitam atenção breve e 80 por cento da população requer alguma forma de prevenção universal à droga”. Estes dados, que não são exclusivos para o México, demonstram que as políticas proibicionistas e punitivas não levam à redução do uso de drogas. Pelo contrário. Por esta razão, as mudanças legais já aprovadas em matéria de narco-varejo e a proposta de legalização da maconha têm na prevenir à fármaco-dependência e à adições em geral um de seus pilares centrais. A prevenção e o controle de danos constituem elementos de uma política pró-ativa que, temos a certeza, se sairá melhor em termos de consumo reduzido e, em particular, o número de dependentes.
Há muita oposição nos Estados Unidos contra essas propostas, como sustentar que essa é a melhor forma de combater o tráfico de drogas?
Houve uma mudança significativa na presidência e na composição do Congresso dos Estados Unidos, como resultado das eleições do ano passado. Este é um item que não se pode minimizar ou ignorar nas relações internacionais. Ligada a isto, muito tem sido enfatizado Estado mexicano que o fato de ser vizinho do país com o maior consumo de drogas no mundo, com um mercado que gera grandes lucros aos traficantes de droga será sempre atraente para os grupos criminosos em ambos os lados da fronteira, dispostos a desafiar a polícia e corrompê-las, tanto nos Estados Unidos quanto no México. Este fato foi totalmente aceito pela atual administração do presidente Barack Obama. A Secretária de Estado, Hillary Clinton, concordou com a premissa de que é necessário que os Estados Unidos aceitem a sua responsabilidade na gênese e na solução do problema e que, portanto, assumam mais trabalho para reduzir o consumo de drogas dentro de suas fronteiras, assim como ajudar com que as armas (muitas delas de alta potência) parem de passar daquele país diretamente para as mãos de grupos criminosos organizados que operam no México. Nesse sentido, vale mencionar que, de acordo com dados oficiais, existem 12 mil pontos de venda legal de armas ao longo da fronteira entre o México e os Estados Unidos, evidentemente, localizados no lado dos Estados Unidos e são vendidos sem qualquer controle a qualquer pessoa com dinheiro suficiente para comprá-las.