do portal Consultor Jurídico
“A sociedade e o Congresso têm que entender que estamos prendendo os peixes pequenos, agravando a situação deles e deixando soltos os grandes traficantes.” Com esse argumento, o deputado Paulo Teixeira (PT/SP) pretende enfrentar nos próximos meses uma batalha polêmica na Câmara dos Deputados: permitir o plantio de maconha para o usuário e estabelecer penas alternativas para o pequeno traficante. Para isso, Teixeira se vale de um estudo encomendado pelo Ministério da Justiça que mostra, na prática, que a polícia pouco se dedica a prender os grandes traficantes. Segundo o deputado, a nova lei pode mudar essa situação e deixar ainda mais clara a descriminalização do usuário, a ponto de ser permitido fumar maconha no meio da rua.
A opinião de Paulo Teixeira ainda não é a posição oficial do governo Lula. Teixeira foi o único parlamentar a participar da discussão dentro do governo, na tentativa de mudar a Lei 11.343/06. Nessa semana, começou o ciclo de de debates da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia. O grupo heterogêneo, composto por especialistas e representantes de setores interessados, tem entre seus membros a ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie. Paulo Teixeira é o representante do Congresso.
Os números da pesquisa revelam que a maioria dos presos é constituida por réus primários, que foram presos sozinhos, com pouca quantidade de drogas e não tem associação com o crime organizado. “Nós pegamos todo o aparato policial para prender, todo o aparato judicial para julgar e administramos a prisão de todas as pessoas em penas pesadas. Minha pergunta é: é essa a preocupação que a sociedade tem? Me parece que não. A sociedade está preocupada com o grande traficante e a violência do tráfico”, explica o deputado.
O tráfico de droga representa a segundo maior incidência de condenações nos presídios brasileiros, com 69.049 presos, atrás somente de roubo qualificado. O estudo da secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça foi feito em parceria com a Universidade de Brasília e Universidade Federal do Rio de Janeiro, entre março de 2008 e julho de 2009. Os pesquisadores analisaram 1.074 acórdãos ou sentenças, nos Tribunais de Justiça do Rio e Brasília, além de Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. No total, o estudo do Ministério da Justiça apurou que 55% dos presos são réus primários
Não compre, plante
O deputado acredita que a atual lei não diferencia o grande traficante do “peixe pequeno” e, por isso, as políticas públicas estão “desfocadas”. A ideia é dividir a lei em quatro tipos de agentes. Ao usuário comum, o deputado defende que a lei não deve enquadrá-lo na esfera penal. A revista Consultor Jurídico perguntou então sobre uma situação hipotética: o que deveria acontecer com quem estiver fumando um cigarro de maconha no meio da rua? O deputado foi incisivo. “Acabou, não tem o que falar. Ele pode”, diz. “A maconha não causa um problema social, do ponto de vista da violência. Não se pode tratar maconha como se fosse crack”, completa.
Como forma de desarticular o lucro com o tráfico, Paulo Teixeira defende também que seja dada a permissão para o usuário plantar “três ou quatros mudas” de maconha, para consumo próprio. Para isso, o deputado prevê políticas de controle e licença médica para evitar abusos. “Se a pessoa é usuária ocasional e não abusa ou tem problemas, ela pode plantar pequenas quantidades. O objetivo é separar o usuário do tráficante”.
A tentativa de permitir o plantio de maconha, com pesquisas e debates dentro do governo, mostra uma mudança de visão em relação à maconha nos últimos anos. Os integrantes da banda Planet Hemp, por exemplo, foram presos na década de 1990 por apologia às drogas. Hoje, a música se encaixa sob medida no discurso do deputado. “Não compre, plante. Chega de financiar essa máquina extorsiva.
De um lado o miserável, de outro o policial homicida”, diz uma das músicas da banda outrora censurada.
No Supremo Tribunal Federal, os ministros terão de decidir se a Marcha da Maconha e outras manifestações a favor da legalização da cannabis sativa é apologia ou liberdade de expressão. Para a Procuradoria Geral da República, autora da ação, defender a legalização da maconha é um direito. “O fato de uma ideia ser considerada errada pelas autoridades de plantão não é fundamento bastante para justificar que a sua veiculação seja proibida. A liberdade de expressão não protege apenas as ideias aceitas pela maioria, mas também aquelas tidas como absurdas e até perigosas. Trata-se de um instituto contramajoritário, da minoria”, diz a o texto da ação.
Peixe pequeno
Pela proposta do deputado, numa segunda categoria está o réu primário, com pequena quantidade de droga, desarmado e sem vínculo com quadrilhas. Esse caso, aliás, é o mais comum nas cadeias – de acordo com o estudo. Para esse grupo, a proposta é estabelecer primeiramente penas alternativas. “A atenção tem que ser dada para a organização criminosa. Quem usa arma, constrange, contrata menores, o foto tem que estar nesse grupo. A estratégia do traficante é não colocar a mão na droga e dar o trabalho sujo para jovens pobres. E a sociedade está aceitando o jogo deles. A polícia coloca os jovens na cadeia e o tráfico os substitui por outros”.
Os números corroboram a tese do petista. No Distrito Federal, por exemplo, o combate ao tráfico de drogas chegou a um anacronismo: a maior causa de aumento de pena (40%) foi justamente por causa de tráfico dentro dos presídios.
Numa terceira categoria, está quem vende e faz pequenos roubos para bancar o vício. Para esse caso, a ideia é dar tratamento médico e punir penalmente somente os reincidentes. “Quem comete o crime por vício, tem que ser primeiramente tratado. É uma doença”, diz o deputado. “A gente tem que tirar essa meninada do craque. Colocar na prisão só vai piorar a situação”.
Por fim, no quarto grupo entram os grandes taficantes, quem realmente comanda o tráfico e controla o mercado de droga. De acrodo com a proposta, a polícia e a legislação deve focar neles, para quem seriam reservadas penas mais duras.
Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo, Texeira não entra pela primeira vez na polêmica sobre as formas de combate ao uso de drogas. Há 11 anos, quando era deputado estadual, foi autor da lei paulista que garante a distribuição de seringas aos viciados em heroína. Para convencer nichos conversadores do Congresso Nacional, o deputado explica repetidas vezes uma única tese: uma nova lei seria uma constatação da realidade brasileira. “Essa discussão não pode ser ideológica ou contaminada de valores morais. Temos que ser pragmáticos e focar nos resultados. Tem que ser um debate desapaixonado e técnico, só assim para convencer a sociedade”.
“Bagunça total”
Nas varas criminais do DF, quase 70% dos processos referem-se a presos com quantias inferiores a 100 gramas de maconha. No Rio de Janeiro, esse grupo de presos representa 50%. “A grande maioria dos presos atualmente por este delito está no nível inferior da hierarquia, e não tem ligação direta com crime organizado. Esse nível funciona como uma bagunça total, pois normalmente os seus agentes não têm advogado, guardam a mercadoria em casa, brigam com a família durante a prisão, além de ter a pobreza como característica”, afirma o estudo do Ministério da Justiça.
De acordo com o estudo, 88% dos réus nas varas estaduais e federais do DF e RJ foram presos em flagrante. A pesquisa aponta um desvio na atual lei, que dá amplos poderes ao policial. “Uma vez apresentado um preso em flagrante, o magistrado não terá condições de perceber como ocorreu a prisão, pois depende da palavra do policial”, afirma o estudo. “O formato da lei parece contribuir, quando estabelece tipos abertos e penas desproporcionais. O resultado dessa equação é que o Poder Judiciário aplica uma lei extremamente punitiva e desproporcional”.
Na cerimônia de divulgação do estudo, o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Pedro Abramovay, também defendeu mudanças na lei. “O Brasil está em um processo de amadurecimento da legislação sobre drogas. A lei de 2006 representou um avanço, mas temos que continuar debatendo e ver todas as falhas. O resultado da pesquisa mostra que há questões a serem aperfeiçoadas. Novos caminhos surgirão com muito debate”.
O governo aguarda ainda o parecer do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) para decidir como será a redação final do projeto de lei. A expectativa é que o projeto comece a tramitar em setembro ou outubro. A repercussão de setores mais conversadores da Câmara dos Deputados ainda foi tímida. Um detalhe mostra que o projeto deve ter tramitação rápida. Se o governo Lula de fato quiser mudar a lei, terá pouco mais de um ano para aprová-lo. Afinal, 2010 é ano de eleição e tudo é incerto em relação à próxima legislatura e presidência da República.