Nascido na cidade portuguesa de Braga, viveu em diferentes cidades, entre as quais Berlim, Barcelona, Granada, Toulouse, Londres. Estudou e trabalhou como jornalista, posteriormente seguindo o que ele chama de “apelo interior” estudou Direito e passou a se dedicar ao trabalho na área da Justiça, principalmente combatendo injustiças. Em 2006 se juntou à ENCOD – Coligação Européia por Políticas de Drogas Justas e Eficazes, onde atualmente faz parte do Conselho Executivo. Em Portugal, atual na defesa dos Direitos de todos aqueles que utilizam drogas, tentando organizar e dar voz à esses cidadãos. Foi uma das vozes críticas mais importantes no processo que resultou na atual lei 30/2000, que descriminaliza o consumo de drogas em Portugal. Atualmente, além das suas atividades junto à ENCOD, Jorge está atuando na luta pela implantação de programas de atenção a usuários de heroína, pela regulamentação dos clubes sociais de cannabis e pela criação de salas de consumo assistido.
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ENTREVISTA:
Growroom: No Brasil temos tido muitas notícias a respeito dos avanços conseguidos por conta da atual Política de Portugal sobre o tema. Em geral, as opiniões têm sido sempre positivas, afirmando que têm conseguido diminuir a violência, riscos e danos associados ao uso. Gostariamos de saber sua opinião a respeito.
Jorge Roque: Sem duvida que a descriminalização do consumo de todas as drogas em Portugal foi um enorme passo na justiça social, nos Direitos Humanos e na saúde publica, porque em vez de se considerar o utilizador de drogas um criminoso, ele passou a ser visto e tratado pelo sistema de saúde, isso aproximou as pessoas do tratamento e da inclusão social. Obviamente que a lei para ter eficácia foi acompanhada de centro de atendimento a toxicodependentes em todas as cidades (gratuitos), constituidos pelos melhores médicos, psicologos, psiquiatras e enfermeiros. Além disso tambem muito importante foi o acompanhamento da pessoa por um tecnico social e dar-lhes toda a estrutura fundamental, ou seja: tratamento, sitio para viver e emprego. Sem duvida que tudo melhorou mas ainda é preciso mais!
GR: Ainda sobre a atual situação em Portugal. Nós do Growroom temos recebido algumas notícias de que pessoas que plantam para consumo pessoal continuam sendo perseguidas e que inclusive a repressão teria aumentado após a nova Lei. Isso é verdade?
J.R. Sim é verdade, a lei em Portugal permite o consumo, mas não a plantação, por isso ainda há muito a fazer, digamos que demos um bom primeiro passo.
GR: Você acredita que Portugal conseguirá diminuir o tráfico de maconha e haxixe mantendo uma essa repressão aos cultivadores?
J.R. Não, claro que não. Enquanto as drogas tiverem o monopólio da sua destribuição nos traficantes ilegais, o lucro falará mais alto e haverá sempre quem arrisque toda uma vida pelo lucro fácil e rapido.
GR: Apesar da Lei de drogas no Brasil também afirmar que o usuário não pode mais ser preso, tem aumentado muito o número de usuários que cultivam sendo injustamente acusados de tráfico, principalmente devido à desinformação de alguns agentes da Polícia e do Judiciário, algo semelhante ao que ocorre em Portugal. Nesse contexto, o que você considera mais importante, uma mudança nas Leis ou na mentalidades daqueles que operam as Leis?
J.R. As duas situações estão intrinsicamente ligadas. O Estado de Direito não é efectivo, mas é apenas “fachada” se as leis não são cumpridas! Em Portugal a policia limita-se a cumprir a lei (embora lhes tenha custado a aceitar, mas não tiveram outro remédio). Agora eu compreendo que no Brasil isso seja mais complicado, porque ainda existe uma policia que não se importa de receber dinheiro para virar a cara e ignorar a lei, isso em Portugal e na Europa não acontece, por isso ainda mais admiro e respeito a vossa luta aí no Brasil, porque lutam por Direitos Humanos, quando a policia nem sequer respeita o mais básico Direito, o Direito à vida, que é o que eles fazem quando entram nas favelas a matar e culpam simples vitimas do sistema proibicionista, quando o problema no Brasil é social e de desiquilibrio económico. Eles nem se apercebem que todos os dias matam e todos os dias outros aparecem, porque não é a droga o problema mas sim o sistema!
GR: A ENCOD tem defendido a proposta dos Cannabis Social Clubs como um modelo mais eficiente para fazer frente ao atual modelo proibicionista. Você poderia nos falar um pouco a respeito do modelo dos C.S.C, citando alguns exemplos de experiências desse tipo em andamento hoje e porque eles seriam mais eficazes que apenas a regulamentação do cultivo caseiro?
J.R. Os Clubs Sociais de Canabis permitem que um certo numero de pessoas integrem um club aonde se planta, colhe e destribui-se pelos sócios a canabis sem margem de lucro e controlando a qualidade, alem de que tem regras que impõem apenas certas quantidades e impedem a destribuição a menores. Em Espanha em Vitória temos vários companheiros que integram um CSC e estão bastante contentes. Sem duvida que é uma boa solução.
GR: Que tipo de atuação a ENCOD tem realizado para promover a implantação do modelo C.S.C na Europa e que tipo de conselho você daria para aqueles que pretendem organizar um Clube?
J.R. Justamente hoje graças aos esforços da Encod ganhamos em tribunal o direito à existência de um CSC na Belgica o TREKT UW PLANT. O conselho que posso dar é estudar bem a lei do país, porque o que eles fizeram em Espanha foi aproveitar um vazio na lei, ou seja a lei não considerava crime se alguem tivesse uma ou duas plantas, ora duzentas plantas vezes cem sócios dá apenas duas plantas a cada! Apartir daí, é possível brigar judicialmente e abrir um precedente.
GR: O movimento antiproibicionista no Brasil sofre um grande choque com as proibições das Marchas da Maconha o ano passado. Apesar dos avanços e de algumas vitórias na justiça, existe ainda muita repressão e polêmica em torno dos movimentos sociais que debatem a questão. Em Portugal vocês tem esse problema? Qual sua opinião a esse respeito?
J.R. Em Portugal não temos o problema da repressão das marchas, o que ainda temos é bastante estigma social. Mais uma vez tenho que lembrar que no Brasil a droga é o “Bode Espiatório” da situação geral do país. O Brasil é um país rico, mas que insiste em manter a desigualdade social, a fronteira entre ricos e pobres e isso gera ódio, violência, crime e policia corrupta. É um sistema que nem sequer os ricos lucram com ele devido à fraca qualidade de vida que tem por causa do “Mêdo”! Só quando o Brasil criar emprego para a maioria, com um salário minimo razoavél, com toda a gente com acesso a alimentação, saúde, habitação e educação é que haverá uma sociedade justa e aonde os policias não vejam quem usa drogas como inimigos e como tal sem ódio.
GR: Por fim, gostaria de agradecer pelo seu tempo e pelas respostas, desejando que um dia possa vir em breve ao Brasil, quem sabe para inaguração do 1º Clube regulamentado. Aproveito para pedir que deixe uma mensagem para os leitores do portal e para os cultivadores do fórum.
J.R. Lutem! Não desistam! O futuro do Brasil está justamente nas vossas mãos, nas mãos das pessoas que querem um país mais Humano e não apenas em terem o bolso cheio. Os Direitos a usar drogas inserem-se nos Direitos Humanos globais, por isso às vezes aí é mais dificil, mas ao mesmo tempo o Brasil tem muita gente boa, culta, inteligente e humana e é essa que tem que chegar ao poder! Força Meus Irmãos!
*Sergio Vidal é antropólogo, ativista e membro do Growroom – seu espaço para crescer.