O Growroom já tinha tratado do tema aqui na semana passada. O Gandhia, manifestação que tem gerado polêmicas em quase todos os lugares onde tem sido debatida, vai acontecer amanhã, às 16:20, no Vão Livre do MASP. A grande imprensa já começou a noticiar o fato, ainda que de forma pouco cuidadosa e, porque não dizer, responsável. Em meio a tantas versões sobre o tema, o Growroom decidiu conversar com dois representantes do Coletivo Gandhia, para ouvir (ler) o que eles realmente têm a dizer sobre o Ato.
Eles nos informaram que preparam para amanhã uma atividade pacífica de expressão cultural e manifestação política de uma minoria que não agüenta mais ser oprimida pelo atual sistema proibicionista: os usuários de maconha.
Para passar de verdade qual a versão da turma do Gandhia para os fatos, eles conversaram conosco durante 1 hora no MSN, gerando um material que resultou na entrevista editada abaixo, revisada e corrigida por eles mesmos.
Pelo visto, a turma não brinca em serviço. Ao mesmo tempo em que estão se preparando para o Ato de amanhã, planejam lançar um site para os usuários poderem enviar suas manifestações em vídeo e fotos, e buscando formas de fortalecer jurídica e politicamente o grupo.
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Leia a entrevista abaixo:
Growroom: Qual foi a inspiração original para o evento?
R.G. Nós sempre tivemos muita vontade de expressar livremente o fato de sermos usuários. Somos cidadãos comuns. Não fazemos mal a outras pessoas. Porque apenas só o ato fumar maconha nos tornaria tão ruins assim? A idéia não é tão nova e, na real, vem de uma demanda antiga de vários amigos. Em conversas, sempre surgia essa idéia. De fazer algo parecido com o Uno para todos, ou algum tipo de uso que fosse no sentido de expressar a opressão que sentimos da sociedade em geral em cima dos usuários.
De certa forma é um movimento que podemos chamar de orgânico. Hoje, têm mesmo, sete pessoas ligadas ao grupo, mas a toda hora chega alguém para dizer que apóia a iniciativa e quer ajudar. Achamos que atualmente há uma repressão muito forte. Não só física, legal, mas também cultural aos usuários. O Gandhia é um sintoma dessa sociedade proibicionista que oprime os usuários.
Growroom: Vocês estão contando com o apoio de um advogado?
R.G. Sim. Temos um advogado nos dando consultoria, que esta a disposição para nos ajudar. Também já estamos em contato com outro advogado que demonstrou interesse em nos ajudar. Acho que as pessoas estão entendo que é preciso apoiar os usuários e suas lutas. Esse tem sido um apoio importante para que possamos avançar.
Growroom: Ele alertou vocês do risco de serem injustamente acusados de apologia ou incentivo ao uso?
R.G. Ele tem nos ajudado muito e nos deixou bem a par dos riscos. Desde o início falou do risco de sermos acusados e detidos. Mas nós acreditamos que esses riscos valem a pena. Não somos criminosos. Não estamos atingindo o bem de ninguém. Se formos presos, será por uma acusação injusta. Mas estamos muito conscientes e vamos tentar diminuir ao máximo os riscos do nosso movimento. Sabemos que o tema é polêmico e visto como tabu na sociedade, mas as coisas precisam mudar. Não temos que temer a polícia ou a justiça ou o preconceito se eles são pautados em argumentos falhos e anti-humanos. O humano vem em primeiro lugar. Se uma Lei é injusta, ela precisa ser mudada. Se o comportamento humano não está atingindo outro humano, a Lei falha ao puni-lo.
GR: Vocês têm pensado numa estratégia para evitar que a galera fume maconha no dia?
RG: Sim. Vamos ter um grupo fazendo a segurança, conversando pacientemente com cada um, para que as pessoas não fumem no local nada ilícito. A idéia é poder discutir a Lei e construir um grupo forte, até podermos ter 1000 pessoas conscientes do ato e podermos fazer o Gandhia de fato.
GR: Como tem sido a relação com outros grupos de ativistas aí em São Paulo, como o Coletivo DAR e a Marcha da Maconha?
RG: Olha, temos todo o respeito pela luta do pessoal da Marcha. Mas confesso que houve um comportamento de alguma censura que nos deixou de certa forma frustrados. É engraçado que alguns de nós fazem parte do grupo da Marcha, mas fizemos total questão de afirmar o tempo todo que o Gandhia não tem nada haver com a Marcha. Porque, de fato, estamos em movimentos separados. O fato é que a Marcha tem um valor importante, mas a luta acabou se burocratizando muito, partindo para um lance de mudar a legislação apenas. O Gandhia quer um reconhecimento enquanto minoria. Queremos não apenas mudar a Lei, mas também mostrar que somos pessoas como outras quaisquer. Que temos emprego, pagamos impostos. Que podemos fumar e nos “comportar direito” (risos). Estávamos cansados de esperar tramites na justiça para poder nos expressar livremente.
GR: Então, de certa forma, poderíamos dizer que é uma dissidência da Marcha (risos)?
RG: (risos) De certa forma sim. Mas também não somos contra a abordagem da Marcha, acho que as duas coisas podem e devem acontecer paralelamente. O objetivo é convergente. A Marcha é um movimento grande e precisa de mecanismos para acontecer. O Gandhia defende, em primeiro lugar, a liberdade individual. Nossa meta é que o usuário possa se expressar livremente. Expressar sua cultura mesmo. Enquanto burocratas estão por aí discutindo a Lei, o tráfico está fazendo vítimas e o usuário é colocado apenas como culpado.
A lei é um monte de documento para colocar ordem, ditar regras. Mas o humano tem que vir em primeiro lugar. Estamos acostumados a temer a repressão social, as artimanhas judiciárias e o preconceito social. Mas não deveria ser assim. Não temos que temer a polícia ou a justiça ou do preconceito se eles são pautados em argumentos falhos e anti-humanos.
GR: O que vocês têm pensado para o dia dos 1000?
RG: Acho que o dia dos 1000 vai ser o tapa definitivo na cada da hipocrisia. 1000 pessoas fumando maconha de forma pacífica é uma imagem muito forte e é essa expressão que esperamos poder um dia ver. Ninguém hoje é impedido de fumar, tem maconha em todo lugar e o mundo continua assim. O malefício é gerado por um sistema que não permite que as coisas andem do jeito que tem que andar. Sem tráfico, sem armas, sem violência.
1000 não é nada, comparado à realidade! (risos) Nesse dia, se vão fumar chá, salsinha, maconha ou maionese, não importa. Essa não é a questão. A questão é que gastamos recursos com uma proibição que não traz nada de benéfico.
GR: Para o dia dos 1000, vocês pretendem fazer alguma recomendação para as pessoas não darem dinheiro para o tráfico para adquirir o baseado da manifestação?
RG: Olha, sempre pensamos nisso. O ideal seria, claro, que todos aparecessem com seu baseado cultivado em casa. Mas sabemos que ainda é complicada a questão do autocultivo. A lei obriga os usuários a comprarem do tráfico, quando tentam a alternativa do autocultivo, correm o risco de serem injustamente interpretadas como traficantes. Ainda é um caminho tortuoso plantar maconha pra consumo próprio no Brasil. Mas sempre afirmamos que, se alguém quer consumir maconha, tem que tentar ao máximo deixar de colaborar com o sistema.
Talvez tenham muitos com baseados comprados sim. Mas certamente haverá também quem plante e com seu baseado caseiro. É a diversidade condicionada à realidade atual brasileira.
GR: O que vocês têm achado da cobertura da mídia sobre o evento?
RG: Não esperávamos ser acariciados pela mídia. E tivemos matérias positivas até certo sentido. Também não esperávamos tamanha repercussão, mas uma reportagem levou a outra e agora não para de pipocar em tudo quanto é lugar. Alguns lugares meio obscuros, mas faz parte. Nada no que a justiça não possa intervir. A mídia vive hoje de notícia sensacionalista e não de informar. Infelizmente alguns veículos se deixam levar por isso e esquecem a seriedade do assunto. A legalização da maconha, liberdade individual e de expressão é um assunto de todos e não só de “maconheiros cabeludos”. A mídia é em grande parte responsável pela demonização da maconha. Mas a repercussão que o Gandhia está tendo é a prova que podemos lutar e conquistar nosso espaço junto à verdade. A cada dia, novos blogs vão surgindo e qualquer leitor vai dar mais valor àquilo que é verdade, claro.
É um absurdo a forma como a mídia é negligente hoje em dia. Fomos chamados até de traficantes. Imagine, traficantes de que? De idéias ou de orégano? (risos)
GR: Realmente um absurdo. Vocês pretendem processar a jornalista que falou isso?
RG: Sim. Com certeza. E tornar o processo público. Também espero que os leitores nos ajudem postando as matérias absurdas e protestando contra esse tipo de atitude. Tudo tem limite.
GR: O que vocês acharam de algumas criticas que apareceram no fórum do Growroom e da Marcha? Como, por exemplo, as que eu mesmo fiz (risos)… Aproveita a chance de descer a lenha, que agora estou como ‘jornalista’! (risos)
RG: Ah é!? Espera pois somos bons nisso! (risos). Na real, todas as críticas são bem vindas. Como disse, ficamos um pouco frustrados com algumas posições de censura de algumas pessoas ligadas à Marcha. Mas compreendemos. Ficamos chateados porque editaram um tópico também, alegando que ele punha em risco a Marcha. Mas no geral todas as críticas serviram apenas para nos dar mais força. Para nos botar pra cima. Nos fizeram melhorar as estratégias, nos organizar melhor.
Ficamos chateados com algumas acusações de que estaríamos querendo pegar carona no sucesso da Marcha, ou incentivando o sectarismo, mas no fim entendemos o receio e a reação do pessoal. Fora as criticas excessivas, os comentários foram muito válidos e apenas nos fizeram crescer.
GR: Queria pedir para vocês deixarem uma mensagem pra toda a galera de São Paulo e do Brasil que está ansiosa para saber as repercussões do Gandhia.
RG: Queremos convidar a todos, mesmo os que não concordem com o momento e/ou o modo como o movimento foi estabelecido, para aparecerem no dia e contribuir com o Gandhia. Estamos nos esforçando bastante para fazer algo bem legal no sábado e contamos com vocês para, juntos, tirarmos o grito entalado em nossas gargantas.
A ilegalidade da maconha é tão absurda quanto prejudicial à sociedade. Enquanto discutimos em marcha lenta o assunto das drogas no Brasil, pessoas morrem à margem de uma guerra sem vencedores e sem perspectivas. Armas estão escoando como brinquedos nas mãos de crianças iniciadas no plano de carreira do tráfico, que oferece bônus e gratificação para cada venda efetuada. A repressão prevalece e ninguém ganha com isso. Chega de fazer de conta que não temos um grande problema para resolver. Vamos levantar e fazer um Grande dia, o Gandhia.
GR: Obrigado a vocês pela entrevista. Desejamos que o trabalho de vocês possa ser reconhecido como ativismo que é, não como apologia ou incentivo ao uso. Espero também que amanhã a Constituição seja respeitada e vocês possam se manifestar de forma livre.