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ToggleO uso da cannabis no tratamento dos espasmos (movimentos involuntário) musculares causados pela esclerose múltipla (EM) já é reconhecido pela medicina convencional mundo afora. Testes clínicos demonstraram a eficácia do THC na redução de espasmos em pacientes com EM e o medicamento Sativex, que chega em breve ao Brasil sob o nome Mevatyl, foi aprovado em diversos países para esse propósito. Seria esse spray de THC a melhor opção para os pacientes? Os benefícios da maconha se restringem somente aos espasmos musculares? O que dizem os pacientes que usam a cannabis como tratamento? Veja a seguir.
A esclerose múltipla
Trata-se de uma doença autoimune, ou seja, o próprio mecanismo de defesa do organismo, ataca uma célula humana como se fosse uma ameaça. Isso ocorre devido a uma falha na resposta imunológica do paciente. Os anticorpos, que deveriam atacar bactérias e outros componentes prejudiciais ao corpo humano, acabam deixando de reconhecer uma célula, ou parte dela, como normal e a veem como uma ameaça.
No caso da esclerose múltipla, o sistema imunológico destrói a capa ou bainha de mielina, que protege o axônio (aquele rabinho) das células nervosas (neurônios), tanto no cérebro (sistema nervoso central) como no sistema nervoso periférico. Sem a capa de mielina, o neurônio fica desprotegido e é facilmente danificado ou destruído por outras células e processos normais do corpo humano.
Esses danos ao sistema nervoso levam a uma série de consequências desagradáveis. Gilberto Castro, de São Paulo, conta que, antes de ser diagnosticado com esclerose múltipla, sentia dormência na parte de trás da perna. Com o tempo, a dormência se espalhou para o resto do corpo até que ele perdesse a sensibilidade do pescoço para baixo. Depois de ir ao hospital, receber um diagnóstico e recuperar a sensibilidade do corpo, experimentou uma série de outras sensações desagradáveis: “Espasmos, choques”, diz ele, “a sensação de dormência na mão é horrível, parece que você passa a usar uma luva de borracha apertada”.
A perda de movimentos e habilidades é comum com a disseminação da doença. Gilberto perdeu movimentos nas pernas e tem alguma dificuldade para andar. Conforme a doença avança, pode haver perda das faculdades mentais e de qualquer área sob influência do sistema nervoso. Para algumas pessoas, a doença leva anos para avançar, ou até estagna; para outras, a EM pode ser fatal em apenas alguns meses.
Assista o depoimento de Gilberto Castro, paciente de esclerose múltipla, que faz uso de cannabis no tratamento da doença.
Neuroproteção
Acredita-se que a cannabis possa intervir nos espasmos causados pela EM pelo mesmo motivo que ela tem ajudado a tratar a epilepsia: seu efeito neuroprotetor.
Diversas células humanas (e, acredita-se, de todos os vertebrados) possuem receptores de canabinoides. Quando a maconha é consumida, certos canabinoides, como o THC, se ligam a esses receptores. Quando essa conexão ocorre em células nervosas, o THC parece ter um efeito protetor, impedindo que as células interajam demais entre si. Esse efeito é benéfico para células afetadas pela EM, já que a capa de mielina não está lá para ajudar a proteger o neurônio. Pacientes relatam que os espasmos diminuem ou até desaparecem quando eles consomem cannabis, seja o Sativex ou a maconha em sua forma natural.
Autoimunidade
A chave para o tratamento da Esclerose Múltipla, contudo, pode estar em sua natureza autoimune. Existem dois tipos de resposta imunológica, a TH1 e a TH2. A TH1 é inflamatória e a TH2 anti-inflamatória. As doenças autoimunes podem ser caracterizadas por um defeito em qualquer uma dessas respostas, no caso da EM (assim como diabetes tipo 1, doença de Crohn, artrite reumatoide, entre outras), trata-se de um defeito na TH1.
A cannabis tem um efeito anti-inflamatório, ela inibe a resposta imunológica TH1 e beneficia a TH2. É possível, portanto, que a maconha seja capaz de impedir o avanço da EM e outras doenças autoimunes. Mais pesquisas, no entanto, são necessárias para comprovar a eficácia da cannabis nesse sentido. Pacientes como Gilberto afirmam ter notado o benefício da cannabis não só na redução dos espasmos, mas no bem-estar em geral e possivelmente até na progressão da doença. Gilberto notou que a doença só avançava quando ele ficava sem maconha por um período prolongado (cerca de 5 ou 6 meses).
Leia mais: Uso da cannabis no tratamento de doenças autoimunes
Maconha X Extratos comerciais
De acordo com questionários respondidos por pacientes, há uma preferência geral pela cannabis in natura do que pelos canabinoides isolados. Apesar de haver poucos estudos comparando a eficácia da maconha em sua forma natural e a de extratos comerciais que isolam canabinoides, uma pesquisa indicou que a uma cepa da maconha rica em CBD é superior ao CBD isolado em seu efeito anti-inflamatório. Isso se deve, provavelmente, ao fato de haver outros componentes anti-inflamatórios na cannabis, que auxiliam o CBD e o THC, potencializando seus efeitos. Essa interação entre componentes naturais é conhecida como efeito comitiva, ou efeito entourage.
O efeito comitiva também assegura que os efeitos colaterais do THC, por exemplo, sejam amenizados, já que canabinoides como o CBD contrapõem os efeitos psicoativos. Pacientes relatam que o THC isolado causa efeitos colaterais muito desagradáveis, como um barato muito intenso ou paranoia. Esses efeitos são amenizados quando a cannabis é consumida em sua forma natural.
Pacientes com EM costuma ingerir a cannabis na forma de óleos, extratos ou comestíveis. O fumo ou a vaporização da cannabis também é muito comum, principalmente para o alívio imediato de sintomas como os choques, a dor e os espasmos
Assista a LIVE com o paciente Gilberto Castro sobre o uso da Cannabis Medicinal na Esclerose Múltipla
Referências
- The Pot Book – Julie Holland
- Cannabis and Cannabinoids – Pharmacology, Toxicology and Therapeutic Potencial
- Cannabinoids inhibit neurodegeneration in models of multiple sclerosis – Pryce et al
- Decreased prevalence of diabetes in marijuana users – Rajavashisth et al
- O Uso Medicinal da Canábis – Susan Witte
- Marijuana Medical Handbook – Dale Gieringer
- Estudo comparando o CBD isolado e uma cepa de cannabis rica em CBD