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ToggleA cannabis tem sido usada com sucesso no tratamento da náusea induzida pela quimioterapia, e esse uso já está estabelecido na medicina. Uma pergunta, contudo, persiste: A maconha pode tratar o câncer? Cada vez mais pesquisas apontam o potencial da cannabis para efeitos anticancerígenos e antitumorais.
Um recente estudo realizado pela Academia Nacional de Ciência, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos, revisou a literatura científica sobre os efeitos terapêuticos da cannabis. Não há até o momento estudos clínicos que possam comprovar eficácia no tratamento do câncer, mas os pesquisadores citam uma revisão sistemática (Rocha et al., 2014) que foca no efeito antitumoral em gliomas (tipo de câncer). TODOS os 16 estudos in-vivo (em seres vivos) encontraram efeitos antitumorais em canabinoides. Os pesquisadores, então, concluem que mais pesquisas devem ser realizadas.
Parece óbvio, não parece? De fato, centenas de pesquisas apontam potencial no tratamento de diferentes tipos de câncer. Estudos laboratoriais demonstram a capacidade do THC em causar apoptose (morte celular programada) em células cancerígenas. Um estudo em pacientes terminais com gliobastoma multiforme (uma forma de câncer cerebral) determinou que a injeção de THC nos tumores aumentava o período de sobrevivência dos pacientes em até um ano.
O THC não é apenas um dos candidatos mais estudados para o tratamento do câncer, ele é também o mais seguro, apresentando apenas efeitos colaterais leves em todas as formas em que foi administrado. Além disso, tanto os canabinoides isolados quanto a maconha in natura (em sua forma natural), podem ser utilizados para complementar os tratamentos já utilizados para o câncer, sem a necessidade de colocar em risco a vida de pacientes durante os estudos clínicos.
E o que recebeu devota atenção da mídia e do público, levando a altos investimentos do governo em estudos clínicos? A fosfoetalonamina sintética, uma substância com apenas alguns estudos de baixa qualidade.
Maconha x fos
Enquanto cultivadores de maconha são presos por tráfico, crime hediondo sem direito a fiança, e podem enfrentar cinco a quinze anos de prisão, o criador da famosa “fos”, Gilberto Orivaldo Chierice, que produziu e distribuiu um medicamento não testado, foi clamado como um herói.
Chierice, que não tinha provas, mas convicção de que a fosfoetalonamina sintética seria a cura do câncer, distribuiu o medicamento ilegalmente, sem qualquer acompanhamento dos pacientes ou indicação de dosagem. Ele ainda instruía pacientes a interromper o tratamento convencional com quimioterapia – pois os medicamentos cortariam o efeito da fos – podendo causar a morte precoce de pacientes desesperados.
Coletando o testemunho de pacientes que afirmavam ter curado seu câncer com a fosfoetalonamina, a mídia fez chover emocionantes campanhas em favor da aprovação desse medicamento, testado apenas em ratos, a curto-prazo. Isso tudo resultou em milhões de reais em investimentos – que deixaram de ser investidos em outras áreas em que as pesquisas estão mais avançadas – em estudos clínicos, pulando outras etapas dos estudos pré-clínicos.
Os estudos atualmente estão congelados por falta de fosfoetalonamina sintética, já que a USP afastou Chierice do laboratório da universidade por desvio de conduta, e abriu um processo para cassar sua aposentadoria. Conforme apurado pelo site DC:, de Santa Catarina, o pesquisador Manoel Odorico de Moraes Filho, que irá conduzir a primeira fase do estudo clínico, “já recebeu os recursos do governo federal e tem o estudo validado pelo conselho de ética e segurança da universidade, mas está com o laboratório inativo por conta da falta da substância química”.
E a cannabis? E o THC? Onde está o investimento do governo? Onde está a campanha em massa da mídia?
Enquanto em nenhuma das reportagens sobre a fos (por favor me avise se encontrar alguma) há menção de qualquer efeito colateral, sempre que a maconha aparece na TV, há uma necessidade desesperadora de colocar um médico para listar até os mínimos efeitos negativos da erva. Não que haja algum problema em informar também sobre os possíveis malefícios de uma substância, mas o foco das reportagens é claramente desproporcional se compararmos a cannabis com outras substâncias.
Enquanto isso, sem saber a dosagem mais adequada, o teor de canabinoides ou qualquer informação prática sobre o uso da maconha para tratar o câncer, pacientes acabam testando o medicamento em si mesmos.
Casos anedóticos
Os casos de pacientes que reportam melhora com o uso da cannabis complementam os estudos pré-clínicos, e dão uma indicação do potencial terapêutico da erva.
Michelle Aldrich, de São Francisco, California, foi diagnosticada com câncer de pulmão aos 53 anos de idade. Como era ativista pela legalização da cannabis, ela já conhecia o potencial terapêutico da erva para o tratamento do câncer, e entrou em contato com médicos para determinar a melhor dosagem e plano de tratamento. Aldrich tomou 1g diário de óleo de cannabis – em cápsulas, pois ela não gosta do sabor do óleo – durante e após o tratamento com quimioterapia. O objetivo era diminuir o tumor suficientemente, e impedi-lo de se espalhar, para removê-lo cirurgicamente.
Quando o cirurgião, Dr. Anastassiou, iniciou a remoção do tumor, que antes tinha 31 mm, ele estava morto. Aldrich conta que: “Ele nunca tinha visto câncer de pulmão ser completamente erradicado pela quimio, muito menos em quatro meses. Eu suponho que o óleo de cannabis tenha sido o fator que fez a diferença (Aldrich, 2013, p.19).
Landon Riddle, que se mudou com a família para o estado do Colorado, nos Estados Unidos,
para poder usar a cannabis como tratamento para a leucemia, usa o óleo desde os três anos de idade. A mãe, Sierra, entrou na justiça para interromper a quimioterapia do filho, que segundo ela estava causando danos irreparáveis a sua saúde, para trata-lo somente com cannabis. Durante quase um ano ela recusou a quimio e continuou tratando o garoto com o óleo. O câncer continuou regredindo e ele entrou em remissão.
Não é possível, no entanto, a partir desses casos, constatar que a cannabis tenha um papel central na cura do câncer. Eles dão apenas uma indicação do que pode ser provado através de estudos clínicos. Quando centenas de pacientes com câncer participarem de um estudo duplo-cego e pudermos constatar que a cannabis, de fato, é melhor que placebo, poderemos afirmar que a erva é um tratamento para o câncer e começar a desenvolver programas de tratamentos com ela. Até lá, não podemos ter certeza de nada.
Devemos ser sempre céticos quando ouvimos promessas sobre a cura do câncer e é uma grande irresponsabilidade fazer tais afirmações sem provas suficientes. Portanto, é preciso lembrar, a cannabis não é uma cura do câncer, ela apenas tem potencial para ser. Enquanto mais pesquisas não forem desenvolvidas, não temos como saber. A erva parece ser, no entanto, uma boa candidata para o tratamento de diversos tipos de câncer, e deveria estar à frente na lista de substâncias a serem examinadas. Isso dificilmente ocorrerá espontaneamente, contudo. Essas decisões não são feitas com base na lógica, mas no dinheiro, e medicamentos naturais, portanto, acabam ficando para trás.
O que fazer?
– Informe-se o máximo que puder sobre como funcionam as pesquisas na medicina e sobre as evidências que temos até o momento;
– Seja sempre cético em relação a curas milagrosas, examine as evidências com cuidado;
– Cuidado com o efeito multidão e não se junte ao coro de pessoas defendendo alguma coisa sem antes examinar se essa ideia vale a pena ser defendida;
– Junte-se a grupos de ativismo para pressionar a mídia e mudanças políticas que beneficiem estudos científicos não tendenciosos;
– Ou, se o ativismo não é a sua cara, fale com amigos, familiares, vizinhos, etc, sobre o que você já sabe em relação às pesquisas. Isso pode despertar a curiosidade das pessoas e faz uma grande diferença. Falar sobre também ajuda a quebrar o tabu.
– Jamais faça falsas afirmações ou promessas, mesmo que tenha total convicção do que diz, pois pode acabar causando estrago.
Referências e leituras complementares:
O Uso Medicinal da Canábis – Susan Witte
ALDRICH, Michele. Cannabis Healed My Cancer. O’Shaughnessy’s, Alameda, pg. 18-19, 2013.