Indice do post
Toggle“M-a-r-c-e-l-o / Marcelo D2 na lata, sem dó / Dedo amarelo, enfumaçado, pensamento longe / Mas eu continuo queimando tudo como Cheech e Chong“. Que maconheiro brazuca nunca ouviu esse e outros versos escritos por Marcelo D2 enquanto queimava tudo até a última ponta? Um dos fundadores e principal compositor e letrista do Planet Hemp, banda pioneira ao escancarar a maconha como tema de suas músicas, D2 pode ser considerado um embaixador da erva na música brasileira.
No fim de setembro deste ano, o artista lançou o 8º trabalho de sua carreira, o vídeo-álbum “Assim Tocam Meus Tambores”. O disco foi produzido em dois meses de quarentena, de forma colaborativa, durante mais de 150 horas de lives no Twich. Entre as parcerias do álbum, que ganhou um média-metragem, estão Juçara Marçal, BK’, Baco Exú do Blues, Anelis Assumpção, Ogi, Criolo, Rogê, Tropkillaz, Don L., Jorge du Peixe, Djonga e seu filho, Sain.
O disco evidencia a veia ativista incorporada por D2 de forma mais pulsante nos últimos anos e dá sequência à mistura de ritmos e referências musicais que sempre marcou seus projetos, desde os primórdios no Planet Hemp.
D2 e o início do Planet Hemp
Nascido em 1967, Marcelo Maldonado Peixoto cresceu na Zona Norte do Rio de Janeiro e deixou a escola aos 13 anos anos para trabalhar como entregador de jornais, porteiro, vendedor e camelô. O contato com a música veio aos 16, quando mudou-se para a casa do pai, no Catete, bairro vizinho ao da Lapa, e conheceu as cenas do hardcore e do rap. Pouco depois, em 1992, também conheceria Skunk, amigo cujo encontro transformaria sua vida.
É que Skunk foi o cara que incentivou D2 a formar com ele uma banda em defesa da legalização da maconha, que tivesse uma base instrumental de rock e fosse cantada em rap – assim como o Cypress Hill, que ambos admiravam. Infelizmente, Skunk morreu de forma prematura, vítima da Aids, em 1994, pouco antes do grupo, que foi batizado Planet Hemp, assinar contrato com a Sony Music.
A história da amizade entre D2 e Skunk foi contada no filme “Legalize Já – A Amizade Nunca Morre”, lançado em 2017. Em 1995, já na Sony Music e com BNegão dividindo os vocais com D2, o grupo lança o clássico “Usuário”, um hinário da luta pela antiproibicionista no Brasil, que traz clássicos como “Legalize Já”, “Não Compre, Plante!”, “Fazendo A Cabeça”, “A Culpá é de Quem?” e “Dig Dig Dig (Hempa)”.
A prisão e a pausa do Planet Hemp
Em 1997, o Planet foi alvo de um dos grandes episódios de censura artística da história recente no Brasil. Em Brasília, os integrante da banda foram presos, logo após se apresentarem para um público de 7 mil pessoas, sob a alegação de apologia ao crime de uso de entorpecentes. Antes do episódio, quando tocou em Belo Horizonte, a banda já havia ficado cinco horas detida para prestar depoimento. Na capital federal, a prisão da banda durou sete dias e mobilizou até o então deputado Fernando Gabeira, que foi visitar os músicos cariocas na delegacia.
Em 2011, no histórico julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que legalizou por unanimidade a realização da Marcha da Maconha e de qualquer ato ou expressão em defesa da legalização da cannabis, o ministro Celso de Mello chegou a citar a prisão da banda para justificar seu voto. “[A atuação policial neste caso] é uma intromissão brutal na produção intelectual e artística”, declarou o ministro.
Ainda em 1997, o Planet lançou outro grande disco, cujo título responde ao ocorrido: “Os Cães Ladram, Mas a Caravana Não Para”. O álbum traz o hino “Queimando Tudo”, além de grandes músicas como “Adoled”, “Hip Hop Rio” e “Zerovinteum”. O grupo fez uma pausa e voltou em 2000, com a “Invasão do Sagaz Homem Fumaça”, mais um disco cheio de hits como “Contexto”, “Quem Tem Seda?” e “Stab”, que traz o grito da militância cannábica: “Nossa vitória não será por acidente!”.
Veio, então, o álbum “MTV Ao Vivo”, de 2001 e, a partir daí, um longo hiato, que só se rompeu após mais de 10 anos. Agora, em 2020, o grupo fala em um quarto disco autoral, que já estaria em produção
A carreira solo de Marcelo D2
A primeira pausa do Planet Hemp foi a deixa para D2 lançar sua carreira solo. O álbum de estreia, “Eu Tiro É Onda”, ainda é um disco de rap, mais próximo da estética do Planet Hemp, mas já apresenta o flerte com o samba, que se desdobra ainda mais em seus trabalhos seguintes. O próximo deles estoura a carreira de D2 e solidifica essa síntese rap-samba: “À Procura da Batida Perfeita” (2003), que traz sucessos como “Qual é?”, “Lodeando” (com o filho Stephan, hoje conhecido como Sain, seu nome artístico no rap) e “A Maldição do Samba”.
E, claro, sempre tem uma que faz ode à erva, como é o caso de “Pilotando o Bonde da Excursão”: “Num cachimbo ou vestido numa saia de seda / Minhas viagens com você são sempre uma beleza Eu tô chapado mas ligado sempre no que faço Não vou ficar pra trás, ampliei o meu espaço”.
Depois, Marcelo D2 lançou outros três álbuns, “A Arte do Barulho” (2008), “Marcelo D2 Canta Bezerra da Silva” (2010), “Nada Pode me Parar” (2013) e “AMAR é para os FORTES” (2018), esse também um vídeo-álbum, já apontando os caminhos que viriam no recém-lançado “Assim Tocam Meus Tambores”. Em toda a discografia, ficam nítidos os traços que fizeram de Marcelo D2 um dos grandes rimadores e produtores do Brasil.
Além de se abrir para diferentes influências musicais – do hardcore ao rap, do pagode ao ragga, do punk rock ao soul – D2 versa sobre temas importantes, com sagacidade e irreverência carioca, que vão desde a guerra às drogas, a violência policial, a corrupção estatal e as mazelas sociais, passando por costumes dos maconheiros, assuntos cotidianos, noites de boemia e amizade na Lapa e as relações familiares.
D2: “Podem falar de maconha, porque eu falei primeiro”
Marcelo D2, inclusive, foi o entrevistado de capa da última edição “Revista semSemente”, publicação pioneira sobre maconha do Brasil, que lançou quatro números entre 2012 e 2014. Na matéria, o rimador carioca conversou com o jornalista Matias Maxx sobre sua relação com a erva e a importância do Planet Hemp para a militância cannábica. Na ocasião, D2 chegou a dizer que “hoje podem falar de maconha, porque eu falei primeiro, porque eu fui pra cadeia por falar disso”. Errado ele não está, né?
“Quando a gente começou a falar disso, as pessoas achavam absurdo a gente pedir a legalização da maconha. Querer já era absurdo, legalizar então, nem pensar. Acho que hoje as pessoas estão vendo o absurdo que é a não legalização”, diz D2, na entrevista. “Mas acho que a proibição ainda gera muito dinheiro. No Brasil, as pessoas adoram ser dominadas pelo medo, né, cara. No mundo. As pessoas adoram isso. Adoram ter um líder para salvar elas de uma coisa que nem sabem o que é”, preconiza.
D2 e a militância anti-Bolsonaro
Dito e feito. Cinco anos depois dessa entrevista, levadas pelo anti-petismo e por um medo irracional do “comunismo” (assim como em 1964) o Brasil engoliu o perigoso papo-furado de Bolsonaro e afundou-se no maior acidente histórico de sua história política pós-democratização. Fiel às suas visões sociais, D2 está entre os artistas que mais têm criticado o presidente, nas redes sociais e nos palcos. Em 2018, o rimador chegou a confrontar Bolsonaro no Twitter, que respondeu como de costume: tal e qual uma criança da quinta série.
“No Brasil, a gente lutou tanto para conquistar um pouco de direitos humanos, principalmente para negros, gays, mulheres e uma população pobre, e a gente vai tirar isso de novo?”, disse D2 ao Uol, em 2019. “É importante dizer que vivemos num mundo desigual e que precisamos avançar. Em poucos meses de governo Bolsonaro, a gente teve um retrocesso gigante, andamos para trás e perdemos direitos que pareciam óbvios”.
Marcelo D2 e Growroom no Twitch
No dia 28 de outubro, o Growroom marcou presença em uma das lives que estão sendo feitas por D2 em seu Twitch. Dessa vez, a conversa fez parte do projeto “D2 4ª às 20h”, em que o artista pretende conversar com pessoas de diferentes universos do saber ligadas à política sobre drogas e ao ativismo pró-legalização.
Nesse primeiro papo, o criador do Growroom e da GRHS, William Lantelme, participou da live ao lado de D2, do jornalista Matias Maxx, da ativista Ingrid Faria (Renfa) e do advogado Emílio Figueiredo (Reforma).