Por: Flavio Pompeu*
Nos últimos dois meses, uma série de casos de prisões de cultivadores de cannabis no Distrito Federal mostrou as limitações das atuais leis e políticas brasileiras sobre drogas. A sensação pública é de abuso de direitos humanos e de dinheiro público jogado pelo ralo.
No Brasil, a atuação do Estado quanto às drogas ilícitas está pautada na Lei Nacional Sobre Drogas, ou Lei 11.343, de 2006. Nessa Lei, tentou-se diferenciar os usuários, que não estariam mais submetidos a penas privativas de liberdade (prisões), dos traficantes, que estariam sujeitos a penas severas.
Pela lei, o traficante é enquadrado no artigo 33. É aquele que produz, vende, fornece ou transporta drogas para consumo de terceiros. São previstas longas penas de prisão: a pena-base é de 5 a 15 anos, agravada por inúmeros fatores.
Já o usuário está tipificado no artigo 28. É aquele indivíduo que possui ou transporta drogas para consumo pessoal, e está sujeito a três penas possíveis: advertência verbal, prestação de serviços à comunidade ou participação em curso educativo. Segundo o parágrafo primeiro, submete-se a essas mesmas penas o indivíduo que semeia, cultiva ou colhe pequena quantidade de drogas para consumo pessoal.
No último dia 28 de novembro, após uma denúncia anônima, um estudante de 20 anos do Guará foi preso. Apesar de ele ter apenas dois pequenos pés de cannabis, ele foi acusado de tráfico de drogas. Chamou a atenção a declaração do delegado à TV Record: “Pela lei, o simples fato de plantar já configura o tráfico de drogas”. É uma clara omissão do art. 28 da Lei, que prevê que o usuário que planta pequena quantidade para consumo pessoal não está sujeito à prisão. Foi solto cinco dias depois.
No dia 9 de novembro, um casal de jovens foi preso em flagrante em uma chácara de Brazlândia. Eles foram mostrados na TV e a carteirinha de estudante dele apareceu filmada na Globonews. Ambos eram estudantes da UnB, e na chácara havia 15 plantas de cannabis, algumas mudas e sementes. A origem da investigação foi denúncia anônima. A prisão em flagrante foi convertida em prisão preventiva para ambos, mas a garota teve o alvará de soltura expedido 6 dias depois da prisão, pois o juiz entendeu que mantê-la presa era “constrangimento ilegal”. O namorado dela, que além de universitário é estagiário em uma agência reguladora federal, segue preso. Será que ele representa mesmo tanto perigo a ponto de ter que ficar preso??
Outro caso emblemático que ocorreu em novembro no DF foi a prisão de um atleta. Ele já foi bem ranqueado na Associação de Tenistas Profissionais, atualmente trabalhava como professor de tênis, estudava educação física, tinha bons antecedentes. Foi denunciado pela ex-namorada, e o flagrante foram 23 plantas de cannabis, incluindo nesta contagem as mudas, várias plantas crescendo em um mesmo vaso etc. Ele ficou mais de 3 semanas preso, até conseguir um habeas corpus. Mais um caso em que o Estado erra e demora a reconhecer o erro.
Em 19 de outubro, um estudante de Pedagogia da UnB foi preso em flagrante, na Asa Sul, com sete pés de cannabis na varanda de seu apartamento. O alvará de soltura saiu quatro dias depois, mas ele continua respondendo por tráfico. Em entrevista à TV Record, ele explicou que plantava apenas para consumo próprio.
No dia 9 de outubro, um estudante de arquitetura foi preso em sua residência, na Asa Norte, onde havia 6 pés de cannabis. Este caso, iniciado com denúncia anônima, chamou a atenção porque, num claro sinal de desperdício de recursos públicos, a polícia utilizou um helicóptero para confirmar que havia alguns pequenos pés de cannabis no quintal. Ele é um estudante brilhante, já ganhou prêmio em um concurso, e ficou mais de 3 semanas preso. Apesar ter relaxada a prisão, segue respondendo por tráfico de drogas.
Essa série de prisões mostra que as atuais leis e políticas sobre drogas estão equivocadas. Temos um imenso gasto de dinheiro público na fase de investigação policial (delegado, agentes, helicóptero), na esfera judicial (juiz, ministério público, defensoria pública), penal (prisões são caras e ineficazes). Temos exposição ilegal das pessoas na mídia. Temos, na maioria dos casos, usuários e pessoas que não representam perigo à sociedade sendo presas. Chega! Está na hora de mudar.
Os casos de cultivadores presos só vão aumentar, por um motivo simples: cada vez mais, cresce a quantidade de pessoas que plantam cannabis para consumo próprio no Brasil, apoiadas no artigo 28 da lei 11.343. Grupos como o Growroom têm ensinado que, com o autocultivo, os usuários de cannabis podem buscar uma alternativa ao tráfico de drogas. O abuso que tem ocorrido é enquadrar essas pessoas no artigo 33, fazendo com que sofram semanas, meses ou anos até conseguir a retificação judicial e o enquadramento correto.
Os cultivadores de cannabis presos são apenas a ponta do Iceberg de uma política de drogas ineficiente. É preciso sair às ruas e protestar contra essas prisões injustas. Ir à porta da delegacia e só sair quando houver liberdade. Está na hora de rediscutir o sistema prisional brasileiro; as alternativas positivas surgidas em outros países em 2012, como o fato de dois estados dos EUA terem regulamentado o uso recreativo de cannabis, e a iniciativa do Uruguai para estatizar a maconha; o uso medicinal e religioso de cannabis no Brasil, entre outros temas.
* Flávio é Cientista político, com graduação e mestrado pela Universidade de Brasília (UnB). Servidor Público Federal e professor de Administração Pública. Membro do PSOL-DF, debate as políticas públicas sobre drogas, é um dos organizadores da Marcha da Maconha em Brasília e colaborador do Coletivo CannaCerrado (www.cannacerrado.org).