Este texto é de um escritor inglês, radicado nos Estados Unidos que o Nikolai Pinto, nosso leitor, tomou a liberdade de traduzir e nos enviou, ideia muito pertinente. Ele publicou originalmente no blog Bergamotas, nos enviou, pedimos para republicar e voilà! Um artigo que deveria ser lido por pais, filhos, educadores e autoridades.
Nota pessoal: o Bergamotas é um blog beeem legal com conteúdo variado e bem escrito. Vale a visita!
Texto: Tony O’Neill – Tradução: Nikolai Pinto
Como ex-viciado, sei o quanto o vício é danoso. Como pai, quero proteger minha filha dos danos. Tornar todas as drogas legais irá ajudar.
Um amigo costumava rir quando eu dizia que era a favor da legalização de todas as drogas. Ele simplesmente não conseguia imaginar tal posicionamento. Me disse que se legalizassem as drogas, “isso iria tirar a diversão da coisa.”
Três anos depois ele morreu de overdose de heroína, imagino se ele estaria vivo agora se as drogas fossem legais.
Como pai, às vezes me encontro num lado desconfortável de um argumento que é um dos favoritos dos proibicionistas: Por que eu, pai de uma garota de nove anos de idade, apoio uma sociedade com drogas disponíveis legalmente?
A resposta é simples: Minha filha já está crescendo numa sociedade onde drogas ilegais têm acesso mais fácil que o álcool. Ao contrário do balconista do bar local, nunca conheci um traficante que pedisse para ver identidade.
Claro que, como um ex-viciado, a ideia de minha filha usar drogas é inquietante. Mas sejamos honestos: a ideia de ela namorar garotos também é inquietante. E isso não me faz querer banir escolas de ensino misto. É difícil manter-se imparcial e lógico quando estou falando sobre a pequena garotinha que ponho para dormir toda noite. Mas realmente acredito que acabar com a proibição a protegeria, e não expô-la aos perigos.
Os horrores do vício em drogas são a ultima coisa que quero que ela sinta. Mas se acontecesse, preferiria que fosse numa sociedade que tratasse adição a drogas como uma questão de saúde, ao invés de simplesmente trancafiá-la. E francamente, estou mais à vontade com a ideia de ela fumar um baseado quando tiver idade suficiente que expô-la aos perigos muito maiores do álcool. E isso não significa que vou levá-la comigo à marcha da maconha de minha cidade.
Talvez seja mais fácil para mim do que para a maioria dos outros pais porque “a caixa de pandora já foi aberta”. Escrevi sobre minhas experiências com heroína e crack bem detalhadas em meus livros. Certamente ela os lerá quando tiver idade suficiente. Mas mesmo sem o histórico, sempre senti que deveria ser honesto com minha filha no quesito drogas. Especialmente em um momento onde ela está crescendo numa sociedade que vai bombardear ela com propaganda politicamente motivada por meio de programas “educacionais” policiais e uma mídia que prefere histeria e controvérsia à fatos.
Realmente acredito que estamos nos direcionando à uma sociedade onde não seja mais aceitável perseguir usuários de drogas, e é meu dever preparar minha filha para isso.
A movimentação para legalizar a maconha está conseguindo ímpeto nunca antes visto. Nos EUA ela agora é legal em dois estados que adultos comprem maconha justamente como álcool. Em muitos outros estados, é somente necessária uma receita médica. Há uma mudança estável na opinião pública com relação à guerra as drogas: de acordo com uma enquete recente, somente um em cinco americanos sente que valeu o preço. Subitamente, parece que tudo está em aberto.
Tomar uma posição contra a proibição (quer seja por como votamos, onde doamos ou simplesmente por sermos orgulhosos de nossas crenças) é uma coisa que nossa comunidade rara, fragmentada e exclusa deve fazer em uníssono. Do contrário, outros vão fazer suas próprias presunções sobre qual é nossa opinião.
Vício e recuperação são questões que por anos têm saído das sombras e ido para os holofotes midiáticos. Celebridades discutem abertamente sobre ir para reabilitação; de uma maneira esquisita, reabilitação se tornou tendência. Podemos aproveitar essa notoriedade para protestar contra as injustiças da guerra às drogas.
Minha iniciação ao ativismo veio em Londres, uma década atrás. Eu estava no programa “Metadona” no hospital Homerton e meu médico estava me tratando muito mal. Ele queria me livrar da droga imediatamente. Enquanto eu estava aberto a ideia de desintoxicação (em meu próprio ritmo), sabia que se a clínica começasse a me dar drogas só com poucas semanas de tratamento, eu voltaria para as agulhas da heroína no fim desse mesmo tratamento.
Isso me assustava. Metadona (que tem uma reputação injusta) salvou minha vida. Deu-me espaço suficiente para analisar minha situação. E não gostei de nada do que vi. Comecei a acreditar que podia tentar viver uma vida sem a heroína como razão de ser. Mas podia ver essa possível nova vida fugindo se fosse praticada uma imediata tentativa de desintoxicação.
De alguma maneira, entrei em contato com um amigo chamado Bill Nelles na Methadone Alliance e até hoje agradeço aos céus por ter feito isso. Bill discutiu meu caso com a clínica; mostrou evidências a favor de controle de altas doses de estudos de homens muito mais inteligentes e estudados que meu médico. Eventualmente minha clínica pulou fora. Dentro de um ano fui capaz de me limpar sem a ajuda deles.
A militância de Bill foi uma lição poderosa. Com sua ajuda, logo adentrei a grupos de usuários de drogas. Saí de uma situação onde me sentia completamente sem forças a perceber que até junkies, rejeitados pela sociedade, podiam ter enorme força se fossemos inteligentes e nos mantivéssemos juntos.
Quando larguei as drogas e saí da Inglaterra perdi contato com muitos de meus amigos militantes. Mas a razão pela qual estávamos lutando (igualidade, tratamento decente e fim de nossa perseguição) ainda é minha maior preocupação. Estes objetivos estão irrefutavelmente conectados à questão da legalização.
Pessoas que nunca experimentaram o vício às vezes estão confusas nesse assunto. Eles sentem que, ex-viciados ou viciados em recuperação deveriam estar lutando contra a legalização, pois no fim, as drogas destruíram nossas vidas. Por que deveríamos querer que fossem legalizadas?
Queremos que sejam legalizadas pela mesma razão que poucos ex-alcoolatras são a favor do banimento do álcool: a legalidade da substância não é a questão, mas a disponibilidade é. PROIBIDAS OU NÃO, TRILHÕES DE DÓLARES GASTOS OU NÃO na guerra às drogas, as DROGAS CONTINUAM ACESSÍVEIS EM TODO O MUNDO. Seja em pequenos povoados, grandes cidades, escolas e até mesmo presídios.
Uma recaída não é algo que possa ser prevenido por lei. Mas pelo menos quando alcoólatras têm uma recaída eles não arriscam a vida por beber álcool caseiro contaminado.
Muitos dos danos tangíveis do vício vêm da ilegalidade das substâncias que usamos. O preço gerado pela proibição, a qualidade incerta e os riscos legais envolvidos na busca de nossa substância preferida.
Você deve saber agora que a abordagem atual falhou. Um século de proibição resultou na maior proliferação das drogas do que nunca, vendidas por organizações criminosas tão poderosas e bem financiadas que detêm a força para derrubar governos. Esta “guerra” nunca fez nada para fazer com que as pessoas parassem de se drogar. As únicas pessoas que se beneficiam são os traficantes e os aproveitadores da indústria da proibição.
Não há nada de errado em marcharmos por causas mais “seguras”, embora cruciais, como um tratamento de drogas melhor e mais acessível, acabando com a estigmatização do usuário, e desenvolver novos e mais eficazes medicamentos que ajudem a quebrar o ciclo da adicção. Mas até mesmo estas questões falham ao tentar chegar na raiz do problema. A prioridade número um de ex-viciados deve ser convencer os poderes de terminar a proibição às drogas. Somente quando o uso de drogas for classificado como uma questão médica e não como uma questão legal é que os recursos poderão ser focados em ajudar e não piorar nossos problemas.
Drogas são ilegais ou não. Usuários de drogas são criminosos ou não. Não há meio-termo.
Viciados e ex-viciados, beberrões, fumantes, usuários de medicamentos ou o que seja, são todos parte de um grupo homogêneo. Quando estava sob tratamento, dividi quarto com um gerente de banco que fumava crack e uma ex-prostituta que havia mudado de sexo por duas vezes, e se injetava metanfetamina. Durante o tempo em que estive em tratamento, me sentei ao lado de padres, atores, estupradores, executivos, donas de casa, prostitutas e pilotos. A única coisa que unia esta ralé era a obsessão por narcóticos.
Às vezes concordávamos, às vezes gritávamos uns com os outros. Podíamos estar usando exagerada ou moderadamente; podíamos ter largado as drogas pelos doze passos, CBT, livre-arbítrio, religião ou outra maneira. Podíamos não gostar uns dos outros; podíamos não concordar em uma questão política ou social sequer. Mas o que nós tivemos, foi uma experiência coletiva compartilhada.
Sabemos que uma vida vivida como escravo de uma substância não é glamourosa ou divertida. E quando estamos na mais profunda decadência, nenhuma lei nos autos pode nos causar o tipo de dor que trouxemos à nós mesmos. Precisamos de ajuda e não perseguição.
A proibição das drogas deve ser nossa prioridade máxima também porque tem o maior potencial de nos unir. O Alcoólicos Anônimos não é contra nem a favor de causa alguma, mas isso não significa que aqueles que estão no programa também devem permanecer em silêncio. Devemos nos envolver com organizações como a MPP (Marijuana Policy Project) e LEAP (Law Enforcement Against Prohibition). Devemos conversar com nossas famílias, nossos amigos e conhecidos sobre isso. Devemos pressionar os políticos.
Há tempos temos a experiência e o conhecimento, agora temos a chance também. Por nós, pelas nossas crianças, pelos incontáveis outros que seguirão nossos passos pelo caminho escuro da dependência química. Vamos fazer valer.
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Tony O’Neill é autor de diversos livros, incluindo “Digging the Vein”, “Down and Out on Murder Mile” e “Sick City”. Ele é co-autor do best-seller do New York Times “Hero of the Underground” (com Jason Peter) e do best-seller do Los Angeles Times “Neon Angel” (com Cherie Currie). Atualmente vive em Nova York com sua mulher e filha.
Texto original: The Fix