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ToggleUma das grandes preocupações dos pais é a de que seus filhos utilizem drogas, substâncias que alterem o estado mental. E se eu disser que o primeiro contato com substâncias psicoativas ocorre logo no primeiro dia de vida? O leite humano está repleto dessas substâncias, incluindo uma série de endocanabinoides, como a anandamida e o 2-AG, substâncias análogas aos canabinoides encontrados na maconha, como o THC. Esses componentes são imprescindíveis para o desenvolvimento humano e atuam de forma similar aos efeitos da maconha.
Em suas primeiras semanas de vida, notei que meu filho entrava em uma espécie de transe depois de amamentar, contente e relaxado. Eu brincava que ele estava “drogado de leite”. Curiosa, fui pesquisar os componentes do leite materno e compreendi o motivo para esse comportamento.
O Sistema Endocanabinoide
O organismo humano, assim como todos os vertebrados, possui um sistema endocanabinoide, presente em diversas partes do corpo e atuando em várias de suas funções. Assim como a endorfina funciona como uma morfina endógena, os endocanabionoides são substâncias (ácidos graxos) análogas aos canabinoides encontrados na maconha, mas produzidas pelo próprio organismo.
Os endocanabinoides mais conhecidos e abundantes no corpo humano são a anandamida e o 2-AG — similares ao THC da cannabis — que se ligam aos receptores CB1 e CB2. Esses receptores estão presentes em células de diversos órgãos (veja a imagem), especialmente no cérebro.
A ativação de receptores canabinoides no cérebro está ligada à ação neuroprotetora, prevenindo morte de células cerebrais. O sistema também interage com outros sistemas cerebrais, como o dopaminérgico, regulando a liberação de dopamina e a quantidade de receptores.
O rimonabant, um bloqueador de receptores de canabinoides, foi cogitado como um medicamento contra a obesidade, já que o sistema endocanabinoide está diretamente ligado ao apetite. O rimonabant, porém, foi rejeitado: ao impedir os endocanabinoides de se ligarem a seus receptores, o medicamento induz depressão, ansiedade e pensamentos suicidas. Similarmente, ratos geneticamente criados com deficiência em receptores canabinoides são mais agressivos, ansiosos e tendem a sofrer anedonia (inabilidade de sentir prazer).
Portanto, ao fornecer endocanabinoides através do leite materno, a mãe está auxiliando o bebê a modular a sua química cerebral, aliviar o stress e a ansiedade, e a regular o seu apetite.
O apetite e a Cannabis
Porque o sistema endocanabinoide é capaz de aumentar, mas também inibir o apetite, pesquisadores acreditam que esse seja o motivo porque bebês que amamentam nunca se alimentam demais, enquanto bebês alimentados com fórmula comumente se encontram acima do peso.
Estudos indicam que a estimulação do sistema endocanabinoide em bebês está diretamente ligada à sua habilidade e desejo de sugar e, conforme mencionado anteriormente, a regulação de seu apetite, aumentando assim suas chances de sobrevivência (afastando, possivelmente, o risco de morte súbita, menos comum em bebês que amamentam).
O sistema endocanabinoide, contudo, se adapta rapidamente, aumentando a quantidade de receptores na ausência de canabinoides, aumentando assim as chances de serem estimulados por qualquer substância que se ligue a eles. Da mesma forma, quando há abundância de canabinoides, há uma diminuição no número de receptores, criando assim uma resistência aos efeitos psicoativos – os benefícios à saúde, contudo, não diminuem. Foi constatado que crianças possuem menos receptores do que adultos – possivelmente por estarem mais expostos a endocanabinoides em seu desenvolvimento. Crianças que fazem uso medicinal da cannabis, portanto, sentem menos “barato” do que os adultos.
Gente grande
Quando adultos, o ideal é que nosso organismo possua um sistema endocanabinoide equilibrado e produza canabinoides e receptores suficientes. Acredita-se que em casos de depressão, ansiedade e outros quadros psiquiátricos, possa haver uma falha nesse sistema e, por isso, pessoas com essas enfermidades têm uma tendência ao uso de substâncias que o estimulem, como a maconha.
A camellia sinesis, planta de onde é produzido o chá preto, branco e verde, também contém uma substância que se liga a receptores CB1: o antioxidante catequina. O guaraná também é uma fonte com grandes quantidades de catequina.
O cacau e, consequentemente, o chocolate, também possuem catequina e canabinoides, estimulando o sistema endocanabinoide. Não surpreende que o chocolate é um dos alimentos favoritos quando estamos tristes ou deprimidos.
Estudos também constataram que há uma perturbação no sistema endocanabinoide quando somos expostos ao stress. Já que o leite materno não está disponível depois de adultos (por favor, não vá atrás de leite humano! Tome um chá.), não é natural esperarmos que as pessoas recorram a substâncias que estimulem seus sistemas endocanabinoide? Usuários da maconha não estaria, então, na maioria esmagadora das vezes, fazendo uso medicinal?
Quaisquer que sejam as motivações para o uso de cannabis, estudos com a planta abriram caminho para importantes descobertas sobre o desenvolvimento humano. Ainda faltam muitas peças nesse quebra-cabeça e o estímulo a pesquisas nesse sentido pode nos ajudar a compreender melhor o papel do sistema endocanabinoide e um dia, quem sabe, como prevenir doenças mantendo o bom funcionamento desse complexo sistema. Até lá, por que não apreciar uma xícara de chá, um baseado e uma barra de chocolate?
Referências:
- O Uso Medicinal da Canábis – Susan Witte
- The Pot Book – Julie Holland
- Introduction to the endocannabinoid system – Paul Armentano
- Common link between breast milk, cannabis and tea
- Oxylipins, endocannabinoids and related compounds in human milk
- Wikipedia – Breast Milk
- The CB1 receptor in pre and post-natal life
- Cannabis and Breast Milk
- Involvement of CB1 receptors in emotional behavior