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ToggleFamílias que cultivam a cannabis em casa (para produzir medicamentos para crianças com epilepsia refratária) iniciaram uma parceria com a UFRJ para criar o FarmaCanabis, um laboratório que analise os extratos caseiros e determine o teor de canabinoides presentes no produto. Dessa forma, famílias terão maior controle sobre a dosagem do medicamento oferecido a seus filhos e dados mais concretos poderão vir à tona com as análises laboratoriais.
Como os insumos laboratoriais são caros, criou-se o projeto SOS Cannabis Midicinal no Catarse para financiar a compra dos equipamentos e outros produtos necessários para oferecer o serviço de análise gratuitamente a cultivadores e pacientes. A professora de toxicologia geral e análises forenses da UFRJ, Virgínia Carvalho, doutora em toxicologia pela USP, será responsável pelo laboratório. O projeto já recebeu mais de 30 mil reais em doações, mas precisa atingir a meta de R$ 60.242,00 até o dia 20/02 para ser concretizado.
Um anticonvulsivante milenar
A cannabis tem sido usada para tratar convulsões há milhares de anos. O neurologista Ethan Russo, especialista em canabinoides, menciona em “Clinical Cannabis in Ancient Mesopotamia: A Historical Survey with Supporting Scientific Evidence” que os antigos mesopotâmios já usavam, desde o início da civilização, “um unguento tópico usado no tratamento de um mal antigo chamado Mão de Fantasma, que atualmente acredita-se que seja a epilepsia, incluindo a cannabis como um de seus principais ingredientes” (Russo apud Bennet, 2010, p.20).
Já no século XIX, o cirurgião da companhia das Índias, William B. O`Shaughnessy, recolheu informações sobre o uso medicinal da canábis pelos indianos e chineses. Segundo Chris Conrad, no livro “Hemp: O uso medicinal e nutricional da maconha” (1997), “O`Shaughnessy estabeleceu sua reputação ao aliviar a dor do reumatismo e aplacar sucessivamente as convulsões de uma criança com essa nova e estranha droga. Eventualmente ele popularizou seu uso na volta à Inglaterra. Seu êxito mais conhecido veio quando ele abrandou os dolorosos espasmos musculares do tétano e da raiva com a resina”.
Após a proibição da cannabis no século XX, foi somente em 2011 que um pai resolveu tentar tratar o filho, com a rara Síndrome de Dravet (forma grave de epilepsia) usando extrato de maconha. Jason David, em Modesto, California, EUA, estava à beira do suicídio quando ouviu sobre a possibilidade de usar a cannabis pela primeira vez. O filho de então quatro anos, Jayden não falava, andava ou mastigava. Tudo que o garoto fazia era gritar de dor e chorar por medo das alucinações induzidas pelos pesados medicamentos que tomava. Jayden chegava a ter mais de 500 espasmos por dia, apesar de tomar 22 pílulas diárias.
Um dos medicamentos, o clobazam, que é comum entre crianças com epilepsia refratária, tem como possíveis efeitos colaterais: problemas na visão, tontura, perda de coordenação muscular, sonolência, nervosismo, pensamento anormal, agitação, ansiedade, mudanças de comportamento, confusão, convulsões (!), depressão, batimento cardíaco irregular, alucinações, falta de memória… e essa não é nem metade da lista.
Foi através de uma reportagem na TV, sobre um garoto que havia sido suspenso da escola por portar maconha, que Jason decidiu tentar dar o extrato da erva ao filho. O menino da reportagem se defendeu afirmando usar a cannabis para tratar sua epilepsia. Os próprios pais do garoto não sabiam dizer se ele estava dizendo a verdade. Após propor ao médico e receber um: “Vale a pena tentar”, Jason comprou um frasquinho de óleo de cannabis (o uso medicinal já era legalizado na Califórnia) e deu algumas gotinhas ao filho. Pela primeira vez desde os quatro meses de idade, Jayden não teve nenhuma convulsão por uma hora. De fato, nos próximos quatro dias Jayden não teve convulsões. Para Jason, era um milagre.
Jason postou vídeos na internet e começou a espalhar a informação para outros pais de crianças com epilepsia. O caso de Charlotte Figi, no Colorado, foi reportado pela CNN e a garotinha protagonizou o documentário “Weed”, em 2014, que levou a informação para o mundo todo. Havia esperança para crianças sofredoras de epilepsias graves.
Ainda em 2013, Margarete de Santos Brito, cuja filha, Sofia, sofre da rara síndrome CDKL5 (outra forma de epilepsia grave), conseguiu obter um óleo de cannabis. Ela teve medo dos efeitos que o óleo poderia causar em sua filha, mas dividiu o produto com Katiele Fischer, mãe de Anny, portadora da mesma síndrome. O sucesso do tratamento emocionou o Brasil, levando a uma forte pressão da mídia e, consequentemente, a Anvisa regulamentou a importação de extratos da maconha.
Importação não garante acesso
Vamos fazer uma conta que esclarece o quão insano é o preço da importação de extratos de cannabis. Conforme demonstrado pelas próprias famílias que importaram o produto nos últimos anos, o processo pode custar – variando conforme a idade, peso e a necessidade específica de cada paciente – por volta de 100 mil reais por ano. Há pouquíssimas pessoas no mundo que podem arcar com esse valor. Há quem acredite que, portanto, o governo deve arcar com esses custos; e diversas famílias ganharam na justiça processos em que ficou determinado exatamente isso.
A ocorrência de epilepsia segundo a Abe (Associação Brasileira de Epilepsia) é de 1 a 2% da população, o que significa, no Brasil, que há mais de 2 milhões de pessoas com epilepsia. Para que todos os pacientes tenham acesso ao tratamento, o governo teria que arcar com o custo de 200 trilhões de reais ao ano (chutando baixo). O PIB do Brasil é de cerca de 2 trilhões. Esse valor superfaturado indica que, realisticamente, pouquíssimas pessoas teriam acesso ao produto importado. É um sistema em que uns poucos pacientes têm o direito de se tratar, enquanto a grande maioria é deixada a própria sorte.
Quando mudamos a estratégia para o auto cultivo, o preço do medicamento cai para, bem, quase zero. Os únicos gastos são com produtos de jardinagem e o que for utilizado na extração, como óleo vegetal. A diferença é clara: em uma realidade, muito dinheiro é gasto para tratar pouquíssimas pessoas; na outra, todos podem ser tratados sem custo.
O que falta para as famílias que optaram, logicamente, pelo cultivo é uma forma de padronizar os extratos caseiros, pois alterações no teor de canabinoides pode afetar os pacientes mais sensíveis e causar uma piora nos sintomas. É para resolver essa situação que o projeto SOS Cannabis Medicinal foi criado.
Gerando informações úteis
A existência do FarmaCanabis não vai somente ajudar as famílias que precisam dosar medicamentos caseiros, mas também gerar dados que podem auxiliar pacientes de diversas enfermidades, médicos e cientistas. Ao catalogar as diferentes cepas da maconha, seus teores de canabinoides, seus efeitos, etc, será possível identificar quais plantas funcionam melhor para cada enfermidade; quais trazem mais efeitos colaterais; quanto de cada canabinoide é necessário para obter o efeito desejado; se canabinoides isolados funcionam melhor do que a erva em si, entre uma série de outras informações.
Por causa das informações geradas, o projeto pode acabar beneficiando pacientes que sofrem de outras enfermidades tratadas com cannabis, como câncer, AIDS, esclerose múltipla, dores crônicas, etc.
A iniciativa é inédita e colocaria o Brasil no mapa das inovações científicas na medicina natural. Tudo isso pode ser atingido com um investimento de pouco mais de 60 mil reais. Muito melhor do que 200 trilhões ao ano!
Para apoiar o projeto ou compartilhar essa ideia: clique aqui para mais informações.