Marília Marasciulo – Especial para o Growroom
Com duas tranças finas na altura do peito, chapéu e lenço colorido, Steve DeAngelo é uma figura simpática. Aos 58 anos, natural da Filadélfia (Pensilvânia), é também provavelmente uma das mais influentes nos Estados Unidos quando o assunto é cannabis. Autor de “The Cannabis Manifesto: A New Paradigm for Wellness”, passou pelo menos dez anos organizando protestos. O mais famoso deles é o “4th of July Smoke”, em Washington (Distrito de Colúmbia). Na data, quando é comemorada a independência dos Estados Unidos, DeAngelo juntava um grupo de pessoas para fumar baseados fora da Casa Branca.
Dono da Harborside, maior loja (ou dispensário, como são chamados no país), com unidades em Oakland e San Jose, na Califórnia, ele elevou a causa para outros patamares: além de transformá-la em um negócio multimilionário, DeAngelo aposta em pesquisas para ampliar o potencial de terapias com a cannabis. “No início, ninguém queria produzir plantas com alto teor de CBD, porque não deixariam ninguém chapado”, afirma. “Sabemos que existem mais de 400 canabinóides, cada um com potencial terapêutico, mas a indústria só explora dois.” A seguir, ele fala sobre os desafios do ativismo e os potenciais da planta para uso medicinal.
Você advoga em favor da cannabis há mais de 40 anos. O que o motivou a se tornar um ativista e, depois, também um empresário na área?
Quando eu era adolescente, fumei pela primeira vez e me senti profundamente conectado com todas as partes da natureza, a Terra, o céu, a água, as árvores. Eu soube imediatamente que essa era uma planta boa e que algo muito especial havia acontecido comigo. Mas era ilegal e eu não gostava da ideia de ser um criminoso.
E resolveu protestar logo em seguida?
Não, dos 13 aos 16 anos procurei aprender tudo o que pude sobre a planta: encontrei relatórios originais de 1891 da Comissão de Cannabis do Leste da Índia (East India Cannabis Commission), elaborados muito antes de ela ser considerada ilegal. Eu precisava me informar antes de tentar educar as pessoas a respeito da planta.
Como você foi parar na Califórnia?
Em 1998, 25 anos depois de começar, organizei a Iniciativa 59, que teria legalizado a cannabis medicinal no Distrito de Colúmbia, da mesma forma que já era legal na Califórnia. Nós vencemos as eleições com 69% dos votos, mas a lei foi vetada pelo governo federal. Isso me deixou muito bravo e enojado. Nos Estados Unidos, nós aprendemos desde que conseguimos ouvir que toda pessoa tem direito ao voto e que isso é sagrado. Ver meu próprio governo tirar isso de mim até hoje me enfurece. Então decidi me mudar para a Califórnia, porque a lei medicinal havia sido aprovada e eu queria fazer parte disso.
Quais foram os maiores desafios que você enfrentou?
O governo federal, sem dúvidas. Como minhas principais manifestações foram em Washington D.C., considerado um território federal, quando nós éramos presos, era com base na lei federal. Se você olhar meu arquivo no FBI, ele é grande e começa nos meus 16 anos.
E mesmo com a legalização do uso medicinal ou adulto em 29 estados mais o Distrito de Colúmbia, a DEA (Drug Enforcement Administration, órgão de combate às drogas) ainda a considera pior que cocaína.
Não importa toda a evidência científica, eles insistem em dizer que a cannabis é uma substância perigosa e venenosa. Mas nosso próprio corpo produz canabinóides, no maior sistema de neurotransmissores (o Sistema Endocanabinóide). Ele está presente em todos os órgãos e tem como objetivo manter ou restaurar a homeostase, que é o equilíbrio interno do corpo. Por isso a cannabis funciona para tantas doenças aparentemente sem relação uma com a outra. Não faz sentido considerar tóxica uma substância que nosso próprio corpo produz.
Existem mais de 400 canabinóides, embora o principal foco da indústria atualmente seja o THC e o CBD. Você acha que isso limita o potencial da planta? Você pretende explorar outros canabinóides em sua produção?
Os cientistas só estudaram seriamente 15 canabinóides diferentes e descobriram que cada um deles tem um efeito terapêutico. A Harborside foi a primeira loja a ter cannabis rica em CBD. Em nossas primeiras experiências, testamos mais de duas mil amostras e vimos que apenas dez tinham quantidades mensuráveis de CBD. Isso me assustou. Tentamos convencer os produtores a plantar cannabis mais ricas em CBD e eles simplesmente não queriam! Tinham medo de que ninguém iria comprar, porque CBD não deixa ninguém chapado. Agora temos um problema maior, porque o THC e o CBD são bem conhecidos, mas existem outros 400 que queremos explorar. Por isso nós compramos uma fazenda de 160 hectares, com a ideia de ter o controle da nossa cadeia de fornecimento e poder plantar cannabis com mais CBN, THC-V, THC-A e explorar as outras linhagens.
A cannabis é ilegal no Brasil, mesmo para uso médico. O que podemos aprender da experiência nos EUA?
Os brasileiros deveriam apenas observar o que aconteceu por aqui. Assim como os Estados Unidos, vocês têm um grande problema com outras substâncias, com tráfico ilegal de drogas. O que vimos, por exemplo, é que na medida em que a indústria se tornou legal nas unidades da federação, houve uma queda dramática na quantidade de cannabis traficada do México. Então, em primeiro lugar, se você legaliza a cannabis, você diminui o poder de cartéis. Em segundo lugar, o Brasil, como qualquer outro país, precisa criar empregos e recolher impostos. E, para completar, você permite que seus agentes da lei se preocupem coisas que realmente são perigosas, como tráfico de pessoas, de drogas, assassinatos, exploração sexual. A legalização é algo que não só ajuda os usuários, mas a sociedade como um todo, ao reduzir a criminalidade, arrecadar impostos e criar empregos.