Há pelo menos 6.500 anos a Cannabis sativa é consumida pelo homem, em diversas partes do mundo, nos mais variados contextos e períodos históricos. Chineses, egípcios, indianos e africanos foram os primeiros a cultivar a erva para fins comerciais, medicinais, recreativos e religiosos. Na Inglaterra de Henrique VIII e Elizabeth I, havia a exigência legal para que latifundiários cedessem parte de suas terras para o cultivo da planta, usada na produção de lona, cordas e misturada ao chá como analgésico. A própria rainha Vitória utilizava cannabis para aliviar sua síndrome pré-menstrual crônica e as dores do parto de seus nove filhos. Também há indícios que o primeiro Presidente dos Estados Unidos, George Washington, cultivava a planta.
A demonização do consumo da maconha tem como marco histórico a primeira Convenção Única de Entorpecentes da ONU em 1961, quando a erva apareceu ao lado da heroína numa lista maldita. Algo sem qualquer fundamentação científica nos dias de hoje. Desde então a repressão ao seu consumo gerou violência e não reduziu, muito pelo contrário, aumentou o número de usuários em todo o planeta, inclusive no Brasil.
Tal proibição impede o escrutínio sobre seu potencial terapêutico, incrementa o poderio e rendimentos financeiros dos traficantes, além de desperdiçar recursos do estado e esforço policial concentrados na busca e apreensão de uma substância reconhecidamente menos perigosa do que o álcool e tabaco.
Não há justificativa moral ou científica que sustente a ilegalidade do consumo de Cannabis sativa, incapaz de gerar qualquer benefício social ou estancar seu consumo. Por outro lado, existem argumentos ad nauseam sobre como a guerra às drogas é uma política de estado ineficaz. Mas certamente o principal motivo para a necessidade de sua legalização está na constatação de que uma política pública que já dura mais de 50 anos e não alcança seus objetivos deve ser revista.
Tudo o que é proibido não pode ser fiscalizado, fica à margem dos cidadãos e nesse caso específico financia o crime organizado. Um regime de disponibilidade sob controle rigoroso, utilizando mecanismos para regulamentar um mercado formal de produção, uso, compra, tributação e idade mínima legal é o mecanismo mais eficaz para impedir o crescimento desenfreado da violência e corrupção, cujo exemplo do México nos salta aos olhos.
A Califórnia terá a chance de redefinir mais uma vez os rumos e valores do mundo ocidental, assim como já ocorreu em diversos momentos da história recente, com a revolução cultural dos hippies, da informática, do financiamento para a pesquisa com células-tronco embrionárias. Uma decisão pela legalização tornará a Cannabis sativa equivalente às drogas lícitas, como álcool e tabaco, permitirá o recolhimento de impostos e um efeito cascata que pode mudar o mundo. George Washington ficaria orgulhoso.
*Stevens Rehen é professor do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ, especialista em células-tronco embrionárias, e autor do livro Células-tronco: o que são? Para que servem? (Editora Vieira e Lent)
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/saude/nao-ha-justificativa-cientifica-para-proibir-a-maconha