Tire o fato de que a proibição não diminui o consumo e só fortalece o comércio ilegal. Tire também o fato de que não há registros na história de alguém que já morreu por conta da maconha. Tire o fato de que a história toda dá indícios diretos de que a criminalização da cannabis não passou de uma escolha consciente pra fortalecer alguns comércios e barrar outros. Pode esquecer todos esses fatos. Vamos focar numa coisa só: a saúde, a medicina, a vida.
Dizem que o uso medicinal da maconha é tão antigo quanto a própria erva e atualmente já não há mais dúvidas quanto às propriedades medicinais que a cannabis tem. Talvez uma das principais questões que desagrade é o efeito psicoativo da planta que, ao que tudo indica, é causado pelas mesmas propriedades químicas responsáveis pelo seu caráter curativo. De jeito ou de outro, o psiquiatra Lester Grinspoon, que desde a década de 60 defende a legalização e o fim do tabu, é claro: a cannabis é o remédio menos tóxico já registrado na literatura médica, com potencial terapêutico pra uma infinidade de doenças. Pelo mundo, Israel, Canadá, Espanha, Portugal, Holanda, Uruguai e vários estados dos Estados Unidos permitem o uso da planta para fins medicinais. Aqui, não, nem pesquisas são permitidas. E isso faz muita gente que tem doenças crônicas sentir na pele a dor (literalmente) de não poder se tratar.
Gilberto Castro tem 40 anos e sofre de esclerose múltipla, aquela doença inflamatória crônica que causa dificuldades motoras e sensitivas e, nas palavras do Doutor Drauzio Varella, “comprometem muito a qualidade de vida dos seus portadores”. Em 99, pouco depois de um surto, Gilberto ouviu de um médico, em voz baixa, “Se você fumar um baseado, pode ajudar”. Em voz baixa, claro, como é que um médico sério pode dizer isso!? (ironia) Fumou. “Foi transformador: ficou muito mais fácil aguentar os efeitos e sensações da doença, a vida ficou colorida de novo”. Mas é aquela coisa: é ilegal e não é fácil de conseguir. Em 2011, quando teve o último surto, Gilberto ligou os fatos: “Quando eu ficava sem a planta, a doença voltava”. Começou a pesquisar mais a fundo e uma das suas descobertas foi que um dos remédios que toma, feito em Israel, prevê o uso da cannabis como complemento no tratamento. “Mas aqui não é legalizado e daí, em teoria, a gente só fica com metade do tratamento”, conclui. Desde então, virou ativista dessa causa, pra jogar luz numa situação em que “Parece que todos ficam de olhos fechados”.
Na sua militância, começou a divulgar todos os estudos científicos que descobria, se uniu a grupos que lutam por isso, como o Cannabis Medicinal e o Grow Room que conta com mais de 50 mil usuários medicinais no Brasil. Daí, há pouco mais de uma semana, ele e a Maria Antonia – que tratou um câncer com a ajuda da maconha – criaram uma página no Facebook, a Eu Uso Maconha Medicinal. A ideia, simples, é divulgar histórias de gente normal, trabalhadora (e todas as características que a sociedade julga como “pessoa do bem”) que usa a maconha como tratamento, sente direto na pele os benefícios dela e também os prejuízos de ter que fazer isso através de um comércio ilegal. “Não é sempre que tenho acesso à erva, tenho que procurar e comprar no comércio ilícito e acabo adquirindo uma erva de qualidade duvidosa”, conta Maria, “A legalização do cultivo caseiro evita o contato com o comércio ilícito e possibilita ao paciente um melhor controle da qualidade da erva”.
A coisa foi que a criação da página superou todas as expectativas. “A gente não esperava tanta repercussão, essa foi mais uma tentativa no meio de tantas outras que a gente já tinha feito”, conta Gilberto que vem dando entrevistas e entrevistas para diferentes veículos de comunicação sobre o seu e tantos outros casos que ficam à mercê da legislação. Em pouco mais de uma semana, já são mais 2500 pessoas seguindo e tendo acesso a histórias de gente que sofre de inúmeras doenças e usa a maconha como tratamento principal ou complementar. Todas, dá pra perceber, de peito aberto e com convicção de que seus exemplos podem vir a fazer a diferença. Só na página, há relatos de uso para as mais variadas doenças, desde o mais conhecido tratamento do câncer, até a esclerose, HIV, hérnia de disco, doença de crohn, síndrome do pensamento acelerado, pedra nos rins, neoplasmas, síndrome de dravet. Mas a lista é muito maior, como lembra o Doutor Grinspoon: náusea, dor de cabeça, febre, depressão, convulsões, enxaqueca, TPM, glaucomas, ansiedades a até no tratamento de dependência de drogas mais pesadas, como o crack. Vale lembrar que a cannabis tem várias formas de ser utilizada que não só pelo fumo, como por exemplo, através do seu óleo.
Bem em tempo, na semana passada começou a ser debatido no Congresso uma proposta de iniciativa popular, protocolada pelo Deputado Federal Jean Wyllys, cujo objetivo é legalizar a maconha no Brasil. Indicado pela Comissão de Direitos Humanos pra ser o relator da proposta, o Senador Cristovam Buarque assumiu e disse que vai “Aprofundar o assunto através de audiências públicas e debates”. Gilberto já deixou claro que pretende estar metido em tudo que conseguir, dadas as limitações da sua doença. A sua parte, sem dúvidas, ele já começou a fazer: divulgar informações que se perdem no Brasil e dar voz pra muitos brasileiros que se sentem esquecidos por uma lei caduca, que não dá conta do problema e só impede de terem acesso à saúde. “Finalmente eles estão abrindo o olho”, ele diz. O caminho começou a ser traçado. Mas, enquanto o tabu persistir, Gilberto, Maria Antonia e os outros 50 mil que usam a maconha medicinal vão continuar sendo privados de um tratamento. “Minhas dores são maiores que a Lei”, finaliza Maria.
fonte: http://noo.com.br/cannabis-prescricao-medica/