Audiência pública debate uso medicinal da maconha na Câmara do Recife Publicação: 06/06/2013 17:44 Atualização:
O uso medicinal da
maconha e seus derivados é benéfico em alguns casos clínicos, mas é
controverso e prejudicial em diversos outros. O que impede a ampliação e
o desenvolvimento das pesquisas é o poder coercitivo da legislação que
criminaliza o uso da cannabis sativa. Em linhas gerais foi esse o
resultado da audiência pública realizada no plenarinho da Câmara
Municipal do Recife, nesta quinta-feira (6), promovida pelo vereador
Osmar Ricardo (PT). “Esse é um tema espinhoso, complicado, que ninguém
quer assumir a responsabilidade. Mas é preciso debatê-lo com
tranquilidade porque há teorias dizendo que a maconha ajuda na medicina.
O tema tem implicações na saúde pública”, justificou-se. É a segunda
vez que ele aborda a questão do uso da erva em audiência pública na
Câmara Municipal.
Para falar sobre o usao medicinal da maconha e
seus derivados, o professor do Departamento de Medicina Social da
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Rodrigo Almeida, que estuda o
tema há 15 anos, fez uma pesquisa sobre as evidências científicas, a
partir da literatura médica disponível. Ele avaliou estudos
sistematizados e disponíveis em universidades, avaliando 745 ensaios
clínicos, 21 revisões sistematizadas de estudos, seis avaliações
econômicas e seis avaliações de tecnologia e saúde. “Concluí que é
possível usar a cannabis sativa com fins medicinais, mas avaliei apenas
estudos individualizados em diversos casos do mundo. Eles mostram que há
benefícios moderados, com prejuízos, em casos de dores crônicas;
benefíciso evidentes na esclerose múltipla; significativos para conter
náuseas e vômitos causados por quimioterapia; e também foi comprovado em
casos de demência”, observou.
Rodrigo Almeida, no entanto,
afirmou que é impossível para um pesquisador brasileiro estimar o uso do
ponto de vista clínico. “Há dificuldades de se estudar os efeitos
benéficos e dizer que a cannabis pode colaborar com a medicina. Como o
estado impede o uso, também impede as pesquisas. Como podemos submeter
esse estudo a um comitê de ética? Fica-se diante de um conflito com a
lei”, alertou. Ele acrescentou que é difícil até fazer diagnósticos,
principalmente porque ninguém assume, diante de um médico, que é
usuário. Também presente à audiência o sociólogo e doutor em políticas
sobre drogas Marcílio Dantas. Ele realizou pesquisa sobre a literatura
relacionada ao uso da maconha, ao longo da história. “Essa planta tem
uma longa história que serviu para fins religiosos, econômicos e
terapêuticos. Precisamos conhecer a história para entender o atual
debate”, disse.
Marcílio Dantas fez o levantamento, durante dois
anos, nas bibliotecas da Torre de Belém (Lisboa) e Nacional da França
(Paris). No seu estudo, constatou que a cannabis sativa foi trazida para
o Brasil por padres jesuítas no século 16. O objetivo era usar as
fibras da planta para produzir tecidos “que cobrissem as vergonhas dos
nativos. Na missão catequética era importante cobrir os índios”. Ficava
caro para a congregação trazer tecidos da Europa, onde a maconha já era
usada como cordas em embarcações, na produção de tecidos e de papel. Em
meados de 1833, um médico europeu também passou a usar a erva em
técnicas homeopáticas e no final do século 19, “medicamentos em forma de
cigarro eram trazidos para o Brasil, produzidos por um laboratório
farmacêutico da França”. No início do século 20, o médico brasileiro
Rodrigues Dória propagou durante congresso, nos Estados Unidos, que a
maconha era negativa e prejudicial, segundo Marcílio Dantas. “Esse
discurso é o que predominaria até os dias atuais”.
O diretor
do Departamento de Narcotráfico da Secretaria de Defesa Social (SDS)
alertou que o uso da maconha é ilegal e que a discussão concreta, hoje,
deve ser a operacionalizar do uso da maconha para fins de pesquisa.
“Como essas pesquisas podem ser efetivadas diante da legislação atual
que coloca o uso como crime?”, questionou. Em seguida ele acrescentou
que “se as pesquisas forem realizadas, a aquisição da droga para fins
medicinais tem que ocorrer de alguma maneira. E a única maneira para se
consegui-la, uma vez que ém ilegal, é através do tráfico. Essa é a
questão”, disse. Ele ressaltou que a permissão do uso esbarra numa
preocupação: “o estado brasileiro vai mudar a legislação para permitir a
aquisição?”.
O assunto precisa ser debatido com profundidade,
segundo o coordenador da ONG Se Liga, Gilberto Borges, que trabalha com
usuários e ex-usuários de álcool e outras drogas. “Esse é um campo vasto
para ser debatido. Mas é preciso discutir a descriminalização da
maconha. Existe até uma pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo), realizada pelo professor Dartier Xavier, em 2010, com 100
usuários de crack. A pesquisa comprovou que mais da metade deixou de
usar o crack quando trocou essa droga pela maconha. E no complemento da
pesquisa, os que fizeram essa passagem do crack para a erva, também
terminaram deixando de usar todo tipo de droga posteriormente”, afirmou.
A
coordenadora da Marcha da Maconha em Pernambuco, Ingrid Farias,
criticou a política de repressão a drogas no Brasil, que criminaliza o
usuário e impede as pesquisas científicas. “Essa política sempre foi
usada, mas até hoje não existe comprovação de que os índices de combate
ao tráfico diminuiram no Brasil. Então, ela é discutível. Também não se
pode fazer uma condenação generalizada. O usuário naõ é traficante.
Esse, sim, é o negativo para a sociedade, o violento”, afirmou. Além
disso, Ingrid Farias ressaltou que a maconha só é discriminada porque
não interessa ao grandes laboratórios farmacêuticos. “Os laboratórios
comercializam drogas pesadas. Mas, no caso da maconha, discrimina”,
alertou. Da Câmara de Vereadores do Recife
Fonte: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/politica/2013/06/06/interna_politica,443443/audiencia-publica-debate-uso-medicinal-da-maconha-na-camara-do-recife.shtml