Escrito em 21 DE MARÇO DE 2012, às 13:04
Quebra do tabu e abertura do debate
As políticas de combate às drogas em todo o mundo seguem um modelo repressivo e proibicionista cujos pilares são a erradicação da produção, interdição do tráfico e criminalização do uso da droga.
Imposta pelos Estados Unidos 40 anos atrás, a estratégia de ‘guerra às drogas’ fracassou em todos os planos. Foi ineficiente na medida em que não logrou reduzir nem a produção nem o consumo de drogas. Pior, foi contraproducente ao gerar efeitos ‘colaterais’ desastrosos como o aumento da violência e da corrupção associados ao tráfico de drogas e sua repressão.
A constatação do fracasso da guerra às drogas e a necessidade de políticas alternativas mais eficientes e humanas inspiraram a criação em 2008 da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, presidida por Fernando Henrique Cardoso, César Gaviria e Ernesto Zedillo. Em seu relatório lançado em 2009, a Comissão propôs a abertura de um amplo debate público com o objetivo de substituir o paradigma repressivo por uma abordagem mais abrangente, capaz de combinar combate ao narcotráfico com investimento em tratamento, reintegração social e prevenção.
A Comissão Latino-Americana se desdobrou em iniciativas no âmbito nacional, como a Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, e no âmbito internacional, como a Comissão Global de Políticas sobre Drogas.
A ideia-chave defendida por essas comissões independentes é a de tratar as drogas como uma questão de saúde pública. Não faz sentido estigmatizar e punir pessoas que usam drogas, mas que não causam dano a terceiros. Dependentes de drogas devem ser tratados como pacientes do sistema de saúde, não como criminosos. O objetivo é reduzir o consumo e o dano causado pelas drogas via tratamento, prevenção e regulação, a exemplo das políticas de combate ao fumo.
Vários países como Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia, Equador e México já adotaram leis que não punem com o encarceramento a posse de drogas para o consumo pessoal. Em muitos casos, no entanto, a distinção entre posse e tráfico não é clara, o que abre espaço para discriminações contra os mais pobres e corrupção.
Aceleração do processo de mudança na região
Frente à rigidez e ao autoritarismo da posição americana, o debate sobre políticas alternativas esteve bloqueado durante décadas. Nos últimos meses, no entanto, diante da situação dramática vivida pelo México e da coragem de líderes políticos em reconhecer o fracasso da guerra às drogas, o debate sobre políticas alternativas se acelerou de forma inesperada.
Desde sua posse em 2010 como Presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos se distanciou da política agressiva seguida por Álvaro Uribe e fez seguidas declarações em favor de um ‘repensar global sobre a guerra às drogas’. Em Londres, em novembro de 2011, foi mais longe: “O mundo precisa de novas abordagens… continuamos hoje a pensar da mesma maneira que 40 anos atrás. Uma nova abordagem deve ter o objetivo de eliminar os lucros violentos gerados pelo tráfico de drogas. Se isso implica legalizar, e o mundo pensa que essa é a solução, sou favorável a ela”.
O próprio Presidente Felipe Calderón, do México, sempre cauteloso, declarou: “Se o consumo de drogas não for contido nos países consumidores, seremos obrigados a buscar soluções – incluindo alternativas de mercado – com vistas a reduzir os ganhos astronômicos das organizações criminosas”.
Em fevereiro de 2012, o Presidente Pérez Molina, da Guatemala, foi ainda mais longe, assumindo uma posição clara em prol da legalização das drogas e buscando o apoio dos países centro-americanos para a discussão do tema. A presidenta Laura Chinchilla, da Costa Rica, apoiou a declaração de Pérez Molina, e o presidente Mauricio Funes, de El Salvador, apoiou a abertura do debate.
A Ministra de Relações Exteriores do México, Patrícia Espinosa, declarou que o México está disposto a participar de um debate sobre a legalização das drogas, ainda que isso não seja suficiente para resolver o problema do narcotráfico e do crime organizado no país.
Na semana passada, os presidentes Juan Manuel Santos e Evo Morales confirmaram sua disposição de fomentar a busca por novas soluções na Cúpula das Américas. O Presidente Morales, da Bolívia, é um defensor da exclusão da folha de coca da lista de substâncias ilícitas proibidas pelas Convenções sobre Narcóticos, o que o coloca em rota de colisão com os Estados Unidos, que não aceitam qualquer tipo de mudança nas convenções.
Estas tomadas de posição por parte de líderes políticos dos mais diferentes matizes têm sido acompanhadas de uma forte mobilização da sociedade civil. No México, por exemplo, iniciativas como México Unido contra la Delincuencia e Diga Si al Debate, animadas por empresários, cientistas sociais e profissionais de saúde, têm influenciado o debate público sobre novas políticas.
Perspectivas para a Cúpula das Américas
Uma massa crítica importante de países latino-americanos parece decidida a incluir o tema das drogas na pauta da Cúpula das Américas. O ponto básico é o reconhecimento de que as abordagens repressivas não funcionam e que seus custos humanos, econômicos e sociais são insustentáveis.
Como o tema é complexo, não é de se esperar que possa ser equacionado mediante soluções simples e imediatas. O essencial é a abertura de um debate qualificado pela melhor informação científica disponível de modo que cada país possa formar sua opinião e caminhar rumo à adoção das políticas mais apropriadas a sua história e cultura.
Há muito que aprender com a experiência de países europeus na área de saúde e redução de danos. Há também ensinamentos importantes a serem tirados das experiências de países latino-americanos na área de segurança pública e políticas de paz.
Neste sentido, seria de suma importância que o Brasil apoiasse a abertura do debate sobre novas políticas e dele participe. Temos uma tradição de ousadia na saúde pública, como com a Redução de Danos no combate ao HIV/AIDS, e temos iniciado a mais promissora política de enfrentamento do crime organizado, com a combinação UPP + BOPE.
Uma nova política de drogas, baseada no respeito aos Direitos Humanos e no investimento em saúde pública, é o caminho para reduzir o poder do narcotráfico, reduzir o consumo e o dano que as drogas causam às pessoas e às sociedades.
Rio de Janeiro, 19 de março de 2012
Secretariado da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia (CBDD)
PAULO TEIXEIRA