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Uma Única Rede De Head Shops, Como São Conhecidas As Tabacarias Contemporâneas, Movimenta Mais De R$ 2 Milhões Por Ano: Video Fonte


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Uma única rede de head shops, como são conhecidas as tabacarias contemporâneas, movimenta mais de R$ 2 milhões por ano

http://oglobo.globo.com/rio/bairros/lucrativo-mercado-legal-de-produtos-para-maconha-se-expande-no-rio-17380901

por Gabriel Menezes / Natasha Mazzacaro

03/09/2015 9:28 / Atualizado 03/09/2015 12:51

Onde há fumaça, há negócios. Enquanto, do alto de suas togas, os figurões do Supremo Tribunal Federal (STF) discutem se descriminalizam ou não o porte de drogas para uso pessoal, um mercado legal de produtos para o consumo de maconha cresce a olhos vistos. Com alvará da prefeitura para funcionar, lojas especializadas vendem acessórios com nota fiscal, aprovados pela Anvisa, e chegam a faturar R$ 2 milhões por ano. O GLOBO percorreu alguns desses estabelecimentos e conta, nesse especial, como eles funcionam. Já no judiciário, o tema está em ebulição: na segunda-feira, o ministro do STF Edson Fachin, que havia pedido para rever o processo, finalizou seu voto. Agora, cabe ao presidente do tribunal, Ricardo Lewandowski, marcar data para a retomada do julgamento.


Lucrativo mercado legal de produtos para maconha se expande no Rio


Negócios bem bolados

Exemplares da revistas sobre o tema de diversos países, como Argentina, Brasil e Chile - Guilherme Leporace / Agência O Globo



Alfredo (que não se chama Alfredo) é um sujeito que, por convenção, vamos enquadrar na categoria careta. Formado em Administração, casado, com 30 e poucos anos, ele não fuma tabaco, não usa drogas ilícitas, nem tem vícios relevantes. Pois bem, um belo dia, folheando os classificados do jornal, viu um anúncio que provocou um efeito de bigorna Acme em sua cabeça. Havia algum tempo que ele estava insatisfeito com o seu trabalho e procurava um negócio no qual pudesse investir suas economias. Pensou no ramo alimentício, mas a quantidade de lanchonetes da cidade o desanimou. O recorte era a resposta às suas inquietações: uma franquia de uma head shop (loja que vende artigos para fumar maconha), segmento que fatura até mesmo nos tempos mais negros de crise. Passou a mão no telefone.
Quem o atendeu do lado de lá da linha foi um outro sujeito, que, por sua vez, não se enquadra na categoria careta. Olavo (que não se chama Olavo) foi passar uma temporada nos Estados Unidos há oito anos e voltou com a ideia de montar uma lojinha nos mesmos moldes das que tinha visto na terra do Tio Sam. Lá se vai tempo, e o seu negócio virou, guardadas as devidas proporções e a matéria-prima de consumo, uma espécie de McDonald’s da maconha. São 14 lojas, sendo dez franquias que incluem duas no longínquo Piauí e outra em Copacabana — cujo dono é o nosso amigo Alfredo, aquele que não fuma nem tabaco, mas que diz que os negócios vão bem, obrigado.
UMA VISITA ÀS TABACARIAS

Os dois personagens dessa mesma história — que preferem preservar as suas identidades — fazem parte de um grupo que cresce mais do que larica: o dos investidores do mercado legal voltado para consumo de maconha. Por se tratar de um segmento que trabalha dentro do guarda-chuva das tabacarias, é difícil mensurar o tamanho do business das head shops, mas adivinhar é um exercício de lógica simples. A última pesquisa anual feita pelo Ministério da Saúde indicou que o número de fumantes no Brasil caiu 30,7% em nove anos. Estranhamente, as tabacarias moderninhas continuam pipocando em diversos bairros da cidade. E mais: por causa da quantidade de pessoas que responderam que não queimam tabaco, mas fumam outros produtos, o Ministério da Saúde irá incluir, no levantamento de 2016, a categoria “narguilé”.
Pelas contas informais do GLOBO, o Rio tem, pelo menos, oito lojas especializadas — a última delas, a Jacaré Azul, localizada em plena Rua Mem de Sá, na Lapa, foi aberta há apenas três meses. Pode parecer um contrassenso que tanta gente esteja quebrando seus porquinhos para investir num produto que é proibido no Brasil. E é aí que está o segredo do negócio. Mesmo estando há décadas na ilegalidade, a erva danada não deixa de ter seus consumidores: um público fiel que compra mesmo em tempos de crise, como diz Alfredo. Todas as lojas afirmam que têm alvará da prefeitura para funcionar e que vendem produtos taxados pelo governo, aprovados pela Anvisa e com nota fiscal regular. Nelas, se comercializa de tudo um pouco: desde caixas de fósforo, que custam centavos, até vaporizadores-boutique, que chegam a cifras de quatro dígitos — objetos feitos para tragar qualquer tipo de fumo, mas que, segundo os vendedores, são utilizados na maioria dos casos para o consumo da maconha.



O primeiro sinal de fumaça


Trituradores para fumo vendidos na loja King Smoke no Centro - Hermes de Paula / Agência O Globo

O divisor de águas dessa história toda, no entanto, se deu bem antes, em 2011, como conta o advogado e ativista André Barros. Em 2002, seguindo o exemplo do que já vinha acontecendo em outros países, um grupo organizou a primeira edição da Marcha da Maconha carioca. Seis anos depois e numa crescente constante, a manifestação foi proibida e uma discussão sobre liberdade de expressão acabou indo parar no STF. Barros foi um dos autores da representação que viria a descaracterizar o encontro como uma apologia ao uso de drogas. Ele lembra de uma sessão histórica do Supremo, em 2011, quando o ministro Celso de Mello declarou “absurda” a alegação da acusação.
POR DENTRO DAS LOJAS


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    Juliano Santa Fé é um dos donos da Pampo Coffee Shop, em NiteróiFoto: Hermes de Paula / Agência O Globo

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    Franquia em Copacabana de uma rede de tabacariasFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

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    A La Cucaracha funciona desde 2006 na Rua Teixeira de MelloFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

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    Iuri e Igor Paiva, da Jacaré Azul, e Francesco Ribeiro, da revista MaconhaFoto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

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    Jader Verissimo e Jader Pontes, da Smoke Shop: "dupla do bagulho"Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

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    A Smoke Shop funciona há um ano na TijucaFoto: Hermes de Paula / Agência O Globo

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    A Loja King Smoke fica no Mercado Popular da Uruguaiana, no CentroFoto: Hermes de Paula / Agência O Globo

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    Bongs decoram vitrines na La Cucaracha, em IpanemaFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

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    Matias Maxx abriu a primeira head shop do RioFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo

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    Equipe da Jacaré Azul, tabacaria na LapaFoto: Bárbara Lopes / Agência O Globo

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    Arco-íris de triturados e pipesFoto: Guilherme Leporace / Agência O Globo


A sessão foi comemorada por quem fuma, por quem não fuma mas é a favor, e por quem estava doido para ganhar dinheiro com tudo isso. Matias Maxx, ativista de carteirinha e dono da La Cucaracha, em Ipanema, diz que isso foi o bastante para levar um monte de gente que sempre teve vontade de fazer da maconha um negócio a “sair do armário”. Ele mesmo, que vende acessórios para o uso da erva desde 2006, aproveitou o gancho para lançar a revista “Sem Semente”.
— Antes disso, nossas referências quanto ao sucesso de produtos desse gênero eram as piores. Lembro quando a Osklen fez uma coleção de hemp e teve seu escritório invadido como se fosse boca de fumo. Todo mundo tinha uma paranoia, mas, depois dessa sessão do STF, pensamos: “agora a gente pode! Temos esse direito”. Foi uma explosão de tudo o que é cultura canábica: blogs, sites, bandas, marcas de camiseta, lojas. Quando o assunto está em voga, deixa de ser tabu — vaticina Maxx.
Foi por isso mesmo que ele decidiu escancarar os bongs (aparelho para inalar à base de água), desberlotadores (para triturar o fumo) e sedinhas (papéis para enrolar) na vitrine. Ah, faz diferença dizer que a vitrine em questão fica na Rua Teixeira de Melo, na quadra da Praia de Ipanema.


A maconha vira ícone pop


Pacotes de sedas nas mãos de Jader Veríssimo, proprietário da Smoke Shop, que fica na Tijuca - Hermes de Paula / Agência O Globo


Por conta da demanda, a própria indústria sofreu uma evolução. Maxx conta que, no começo, os produtos eram muito rudimentares, mas começaram a se diversificar e sofrer alterações de tempos em tempos. Um fenômeno parecido com o que acontece no mundo da moda com aquela blusa rosa choque que todo mundo está usando hoje e que, daqui a seis meses, é condenada à categoria de coisas cafonas.
O Tritubarão colorido, um triturador de fumo com um desenho de um tubarãozinho, é um desses artigos. Outro que foi febre com “F” maiúsculo entre a turma do baseado foram as sedas transparentes da Aleda. Essa história é, no mínimo, pitoresca: há dez anos, um paulistano inventou um papel para fumar feito 100% com celulose. Maxx, o primeiro a vender a seda por valiosos R$ 10 da época, conta que a onda era chegar na boate e mostrar a novidade para os amigos. Tinha gente que comprava caixas inteiras até, é claro, a moda passar e os pacotinhos começarem a pegar poeira nas prateleiras. Hoje, a empresa aposta em garotos-propaganda como Marcelo D2 e Mr. Catra, que estampam suas embalagens.

Acessórios camuflados para o uso da maconha


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  • maconha.jpgPipe da Coffee Shop Pampo Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo
    Extintor de incêndio A palavra "dichavar" é usada como sinônimo para "triturar" a maconha, mas ela também pode ter outro significado: "disfarçar" ou "esconder". Quase todos os objetos desta lista se enquadram nas duas categorias. O extintor de incêndio, por exemplo, não apaga fogo nenhum: é um triturador com um pipe (cachimbo).
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As coisas, ao que tudo indica, estão andando mesmo em ritmo frenético. A última novidade no libertário Colorado, nos Estados Unidos, é o Dab, que é um óleo concentrado de maconha que evapora com o calor. Por lá, dizem as línguas verdes, todo mundo usa o produto com um adaptador para bong, em vez de fumar a maconha da maneira tradicional. O fato mais surpreendente é que o acessório, novíssimo lá fora, já tem uma procura enorme no Brasil, onde imagina-se que seja difícil até de conseguir o tal óleo de maconha. Jader Pontes, da Smoke Shop, na Tijuca, aposta que o ritual, hoje em dia, vai muito além do simples ato de fumar.
— Outras coisas estão envolvidas, como acessórios com design e materiais diferentes. Tem papéis que queimam mais devagar, com sabores, feito de arroz, de cânhamo, com embalagens transadas... Já existe uma indústria de consumo que rende dinheiro, gera emprego, tem consumidor. É um caminho sem volta. Em décadas de proibição, sempre teve demanda e sempre teve fornecimento — analisa ele.
O promotor de vendas Ramon Martins é prova viva disso. Ele costuma comprar na La Cucaracha camisetas, shorts e meias com as folhinhas da maconha. Ramon fuma, mas seu irmão e sua cunhada não. Mesmo assim, os dois vivem pegando as camisetas emprestadas, por acharem a “estampa bonitinha”.
— Virou um símbolo pop. As pessoas estão mais abertas agora — palpita ele, achando graça.

Lucros de R$ 200 mil por mês

Narguilés na Smoke Shop, na Tijuca - Hermes de Paula / Agência O Globo

Enquanto uns concordam e outros discordam, a fumaça continua rolando solta, enchendo os bolsos de quem investiu no negócio da cannabis. Olavo, aquele empreendedor do começo da reportagem, viu sua vida mudar do dia para a noite. Depois de tentar a sorte como enfermeiro e funcionário da prefeitura de Volta Redonda, convenceu um amigo a trocar a venda de pastéis e caldos de cana pela dos “cachimbos da paz”. O resultado, oito anos depois, foram as tais 14 lojas espalhadas pelo país, que rendem lucro de incríveis R$ 200 mil mensais.
— Não tem crise. Pelo contrário: quando o cara está estressado, acaba fumando até mais. Nas filiais, os donos têm uma média de retorno de 90% a 100%, enquanto o lucro de outros ramos gira em torno de 30%. O de bebidas quentes, como o uísque, por exemplo, chega a 40%, e o da cerveja, que é alto, a 80% — enumera.
A bonança fez com que ele bolasse um plano (não um baseado) ainda mais ousado. Olavo acabou de voltar dos Estados Unidos, onde fez um curso de manufatura de peças de vidro sopradas. Agora, quer abrir uma fábrica de bongs: uma iniciativa que promete balançar o mercado, dominado pelas peças compradas majoritariamente da China.
Jader Pontes e Jader Veríssimo também querem uma fatia mais gorda desse mercado. A "dupla do bagulho" abriu a Smoke Shop há um ano, na Tijuca, e já pensa em uma segunda loja, também na Zona Norte do Rio. A head shop funciona dentro de uma banca de jornal, num cenário alucinógeno e antagônico, que mistura livros para colorir, romance do Padre Marcelo Rossi e dezenas de bongs coloridos e psicodélicos.
— Como estamos de cara para a rua, já aconteceu de uma velhinha bonitinha entrar aqui e dizer: "nossa, que abajur lindo". Só que era um bong...— relata Veríssimo, aos risos. — Outra situação é o cara que fuma maconha há 50 anos na seda entrar aqui e descobrir um mundo novo de acessórios. Na verdade, todas as bancas de jornal do Rio vendem triturador e até pipes. É que as pessoas não reparam.
No dia 20 de agosto, dia em que o projeto da descriminalização estava sendo votado, a TV da loja ficou sintonizada no canal da Justiça e atraiu um burburinho de gente, que lembrou aglomeração de final da Copa do Mundo. Vez por outra, passava alguém gritando: "Vai descriminalizar".


Novidade na praça

Iuri Paiva, dono da tabacaria contemporânea Jacaré Azul, na Lapa - Bárbara Lopes / Agência O Globo

O empreendimento dedicado ao universo da maconha mais recente da cidade abriu há três meses na Avenida Mem de Sá, uma das mais movimentadas da Lapa: a Tabacaria Contemporânea Jacaré Azul. Se alguém pensa que a loja optaria pela discrição para evitar polêmicas, basta dar uma olhada rápida na vitrine e essa ideia vai logo por água abaixo. Entre os produtos em destaque, estão bongs e peças de roupa com estampas da folha da erva.
— Já passou da hora de sairmos (lojas do segmento) do fundo das galerias para mostrar a cara na rua. Esse é o nosso objetivo ao abrir uma loja num dos pontos mais movimentados da Lapa. Queremos contribuir na discussão da legalização. Inclusive, esse é um assunto que está ficando velho no mundo, mas, como historicamente acontece no Brasil com diversas questões, ainda estamos atrasados — diz Iuri Paiva, proprietário da Jacaré Azul ao lado do irmão, Igor.
Segundo ele, 90% dos produtos da loja podem ser usados também para consumir qualquer tipo de fumo, mas, sem dúvidas, grande parte dos clientes é mesmo formada por usuários de maconha.
— Skatistas e pessoas com dreads (estilo de cabelo) são a base do nosso negócio, mas também atendemos engravatados e muitos idosos. Chegou a hora de deixarmos para trás o estigma de “Cheech e Chong” e mostrar que o usuário de cannabis trabalha todos os dias e honra com os seus compromissos como qualquer pessoa — opina, fazendo referência à dupla de maconheiros engraçados, que protagonizou um filme homônimo nos anos 80, e que, segundo ele, foram importantes por tornar mais leve um assunto que era tratado de forma marginalizada.
Nas prateleiras da loja, é possível encontrar uma grande variedade de cachimbos, isqueiros, sedas, bongs e trituradores de erva. Ao fundo, ainda há uma área destinada para cervejas artesanais, jogos e gibis — “para aqueles que preferem outros vícios”, brinca Iuri.
No segundo andar, funciona a Curtume Camisaria, marca de roupas da tabacaria em parceria com a artista plástica Gabriela Sá Earp. As roupas fazem sucesso por um bolsinho secreto localizado na etiqueta, onde é possível esconder pequenos artigos.
— É preciso superar a hipocrisia e discutir a questão sem preconceitos — prega o empresário.
Mesmo com o grande potencial, ele pondera que, no Rio de Janeiro, ao contrário de São Paulo, o segmento ainda é embrionário, o que faz com que não exista um clima de concorrência entre as lojas, mas sim de cooperação.
Seu irmão ressalta que o retorno do público com a tabacaria tem sido bastante positivo, sem casos graves de rejeição.
— O máximo que aconteceu foi alguém passar na frente e falar “olha, uma loja de maconheiro”. Mas, esse é aquele mesmo tipo de pessoa que passa em frente a uma loja de artigos de umbanda e diz que é “local de macumbeiro”. Não vamos esquentar a cabeça com isso — argumenta Igor.

Um 'Walter White' do bem

Francesco Ribeiro, editor da Revista Maconha Brasil, publicação que é distribuída gratuitamente no Rio e em São Paulo - Bárbara Lopes / Agência O Globo

E não é só ele que defende o abandono dos estereótipos. Na série “Breaking Bad”, o professor de química Walter White, numa busca desesperada por dinheiro, utiliza os seus conhecimentos científicos para produzir drogas, o que muda a sua vida completamente. Num primeiro momento, a trajetória do carioca Francesco Ribeiro pode lembrar a do personagem. Mas, ao contrário da ficção, este ex-professor de química da vida real não enveredou para o crime. Muito pelo contrário. Ele é um conhecido ativista pela legalização da maconha e pelo cultivo caseiro da erva, ato que descreve como um “dever cívico do usuário”.
— Participo de fóruns sobre cultivo caseiro há mais de dez anos. Até que apareci num programa na TV aberta falando sobre o assunto e fui demitido da escola em que dava aulas. Aquele foi um momento divisor de águas na minha vida. Depois de ficar um tempo sem saber o que fazer, percebi que era hora de abraçar a causa de vez.
Por conta do ativismo, ele acabou formando uma rede de contatos com pessoas ligadas ao universo da maconha no país inteiro. Sem emprego, teve a ideia de criar uma revista voltada exclusivamente para abordar o tema. Na hora de escolher o nome, quis ser o mais direto possível: “Revista Maconha Brasil”.
— Não é a primeira revista do tipo no país, mas é a primeira que deu certo. Temos anunciantes de todas as partes. Ela é bimestral e está na quinta edição, sendo que nunca atrasamos na publicação. A tiragem é de oito mil exemplares e as edições são distribuídas gratuitamente em lojas e eventos — explica Ribeiro.
Segundo ele, o objetivo da publicação é acompanhar as transformações mundiais referentes ao assunto e colocar empresas e consumidores em contato.


'Pot in Rio'



Chinelo com o rosto de Chico Buarque enfatiza a hora que é conhecida como o momento oficial de consumir maconha: 16h20m - Hermes de Paula / Agência O Globo






Assim como outros empresários da cannabis, Francesco Ribeiro diversificou os seus negócios. Além da revista “Maconha Brasil”, ele aproveitou sua rede de relações para criar uma feira anual temática chamada “Pot in Rio”. A terceira edição aconteceu em junho na Glória e, pela primeira vez, teve o potencial econômico da maconha como tema. A primeira abordou o uso medicinal da erva e a segunda, a sua história no Rio de Janeiro.
— A maconha tem vertentes medicinais e sociais muito importantes, mas não é só isso. Ela é também um gigantesco mercado em potencial. É esse, inclusive, o motivo pelo qual muitos países estão optando pela legalização — frisa.
A edição de 2015 da feira foi produzida pelo carioca Diego Mosquera, que é também o responsável pela área comercial da revista. O evento teve participação de 45 empresas de todo país, dos segmentos de vestuário, gastronomia, head shops, fertilizantes e de itens para cultivo caseiro. O público ficou em torno de 450 pessoas.
— A verdade é que esperávamos mais, mas a feira aconteceu no mesmo dia de um evento gratuito contra a redução da maioridade penal na Praça Quinze, que reuniu cinco mil pessoas. De qualquer forma, já tivemos um número de cem frequentadores a mais do que em 2014 — conta Mosquera.
Ele acrescenta que muitas empresas estrangeiras especializadas na produção de sementes se interessaram em patrocinar a feira:
— Como no momento a maconha é proibida no Brasil, tivemos que negar esse apoio, mesmo que os produtos não fossem vendidos. Fizemos isso para não comprometer as empresas participantes, todas dentro das leis daqui — diz o produtor, ressaltando que existe a possibilidade de a feira acontecer também na capital paulista. — O Rio está à frente de São Paulo quando o assunto é o ativismo em prol da maconha, mas, quando falamos em mercado, o paulistano está muito mais desenvolvido.



Cannabis para vestir


O carioca Rafael Kaczala montou a grife Legastore, que vende camisas feitas de cânhamo - Bárbara Lopes / Agência O Globo


Outro setor em que a planta da maconha vem ganhando espaço é o do vestuário. São as mais variadas peças de roupas feitas de cânhamo, tecido produzido a partir da fibra da cannnabis. Além do ativismo pela legalização da erva no país, parte das empresas que trabalham com o material carrega consigo outra bandeira: a sustentabilidade.
— Só nos últimos 30 anos, o ser humano consumiu um terço dos recursos naturais da Terra. E, de certa forma, a indústria da moda contribuiu para isso, já que consome água em excesso, necessita de toneladas de produtos químicos e, para piorar, em alguns casos explora o trabalho humano. O cânhamo veio como uma resposta direta a tudo isso porque sua cadeia produtiva é altamente sustentável — diz Renan Miguel, sócio da Kânhamus, marca de roupas de cânhamo criada em 2014 com vendas pela internet.
As vantagens do material sobre o algodão ele afirma que são inúmeras, começando pelo seu extenso potencial de uso. Além da produção de roupas, o cânhamo pode ser usado para a fabricação de cosméticos, alimentos, plásticos, papéis, biocombustíveis e até na construção civil.
Outra propriedade que garante muito mais conforto para quem usa uma roupa de cânhamo, garante o empresário, é a termodinâmica que se adapta ao calor do corpo, deixando a roupa mais fresca no verão e quente no inverno.
— Mas, uma das coisas mais importantes para nós é o impacto ambiental do algodão, se comparado ao cânhamo. O primeiro ocupa cerca de 25% do uso mundial de agrotóxicos. O cânhamo, pelas suas características, não depende de pesticidas, herbicidas ou qualquer tipo de agrotóxico para crescer. Ele pode ser cultivado de forma inteiramente orgânica. Fora isso, o cânhamo utiliza até três vezes menos água em sua produção se comparado ao algodão — acrescenta Miguel. — Ele ainda abastece o solo com nutrientes e é um bom conversor de CO2 em oxigênio. Sem contar que gera até 250% mais fibras na mesma quantidade de terra em comparação com o algodão.
O cânhamo também é a aposta da grife carioca Lega, como mostrou a reportagem publicada no GLOBO-Zona Sul no dia 20 de agosto. Segundo um dos sócios, o publicitário Rafael Kaczala, morador do Catete, as vendas são feitas pelo site, que está em inglês, pois, o objetivo é que a marca, criada em abril, seja mundial. O preço médio de uma camisa é de U$ 40.
— Estamos enfrentando algumas barreiras, como o alto preço dos Correios e a demora para a entrega no exterior. Além disso, é irônico o fato de podermos importar o tecido de cânhamo de forma legal, mas, ao mesmo tempo, não termos permissão para produzi-lo por aqui. São discussões que pretendemos levantar — afirma Kaczala.

Comércio divide opiniões

Jader Veríssimo mostra o uso do triturador com tabaco que ele vende na Smoke Shop - Hermes de Paula / Agência O Globo


Diante deste cenário, muita gente pode estar se perguntando se a venda ou uso de produtos relacionados ao consumo da maconha podem ser classificados como apologia ao crime, já que a erva é ilegal. De acordo com o advogado e ativista da causa André Barros, a resposta é não:
— Os produtos estão amparados pelo direito de manifestação do pensamento e de informação. Como as pessoas vão debater o tema se não têm acesso à informação e se é proibida a divulgação do pensamento? — indaga.
Ele conta que se envolveu com a questão depois que soube que pessoas haviam sido presas simplesmente por estarem divulgando a Marcha da Maconha.
— Vi que aquela galera precisava de um apoio jurídico e fiquei indignado com as claras violações às liberdades de informação, pensamento e reunião — afirma.
O simples fato de portar acessórios para o fumo da erva também não configura crime, afirma o delegado Orlando Zaccone. De acordo com ele, o porte desse tipo de objeto não pode ser criminalizado, já que não é possível afirmar com 100% de certeza que esse aparelho será utilizado para o uso de cannabis.
— Num estado de direito democrático vigora o princípio do direito à perversidade: todo mundo pode ter desejo de matar alguém, mas ninguém pode ser criminalizado apenas pelo desejo. O que a lei proíbe é o ato da execução. A maconha é proibida, mas cerca de 500 outros fumos são permitidos. O porte de uma seda ou de qualquer apetrecho para consumo de drogas não pode ser criminalizado. Um bom exemplo é o narguilé. Usado originalmente no Oriente para o consumo de substâncias autorizadas, muito tempo depois passou a ser usado também para o consumo de maconha. Hoje, ele está muito presente nos restaurantes árabes, o que de forma alguma configura crime — diz Zaccone.
Se por um lado, a causa tem ativistas inflamados, há quem considere que este não é o momento mais apropriado para a legalização da maconha. O psiquiatra Jorge Jaber, por exemplo, acredita que o surgimento de novas lojas pode impulsionar o consumo da erva.
— Dentro de um sistema capitalista, quanto maior a oferta de produtos que facilitem o consumo, maior tenderá a ser o mercado consumidor. O simples fato de abrirem mais lojas, significa que se espera aumentar o número de consumidores. A liberação de produtos como cachimbos e sedas é uma espécie de legalização secundária da cannabis, pois estes apetrechos são usados basicamente para o consumo da maconha. Caminhamos para a legalização, porém, extraoficialmente, a própria criação deste comércio de objetos para o uso da cannabis já é uma forma de facilitação. E isto é contrário à proibição — pondera ele. (Colaborou Gabriel Rosa)


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