A saber, entendimento contido do seguinte julgado:
"PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002938-20.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002938-0/SP RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI APELANTE : PAULO ROBERTO COSTABILE ADVOGADO : HAROLDO FRANCISCO PARANHOS CARDELLA e outro : JOÃO AUGUSTO COSTABILE : RODOLFO NÓBREGA DA LUZ APELADO : Justica Publica No. ORIG. : 00029382020064036181 5P Vr SAO PAULO/SP
RELATÓRIO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo réu PAULO ROBERTO COSTABILE contra a r. sentença de fls. 306/308-V, que julgou procedente o pedido da denúncia (recebida em 19.01.2010 - fls. 226/227), para condená-lo como incurso nos art. 12, c.c o art. 18, inciso I, ambos da Lei n.º 6.368/76, a uma pena de 4 (quatro) anos de reclusão e pagamento de 60 (sessenta) dias-multa, no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente na data dos fatos.
Segundo narra a denúncia, verbis:
"No dia 29 de agosto de 2004, a empresa The Highland Co, com endereço declarado no Unit 1 Eastvale Place, Glasgow, Escócia, remeteu para o denunciado, no endereço rua Urussui, n.º 70, apto 61, Itaim Bibi, São Paulo/SP, uma encomenda registrada na qual havia 15 sementes de maconha. A perícia (laudo de fls. 15/19) confirmou que as sementes apreendidas são e cannabis sativa (maconha), planta que pode originar substâncias entorpecentes e/ou psicotrópicas (lista-E), já que contém tetrahidrocannabinol (THC, lista-F2), substância que causa dependência física ou psíquica, de acordo com a Resolução RDC n.º 26 de 15/02/2005 da Anvisa, Portaria n.º 344/98 - SVS/MS.
Na correspondência apreendida, havia documento emitido pela empresa The Highland CO com dados relativos ao comprador das sementes (fl. 11/12), Paulo Roberto Costabile. O denunciado, em depoimento à polícia federal (fl. 39), admitiu serem seus o endereço e o número de telefone celular constantes neste documento. Ademais, determinada a quebra dos sigilos do e-mail paulocostabile@ig.com.br, constante do mesmo documento (fl. 11/12), e do cartão de crédito VISA n.º 4551.6401.9827.1015 utilizado para efetuar o pagamento da encomenda de sementes e maconha (fl. 6), constatou-se ser o denunciado o usuário dos referidos e-mails (fls. 128/129) e cartão de crédito (fls. 162/163).
Agindo assim, o denunciado importou matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente ou que causa dependência física ou psíquica, fato tipificado penalmente no art. 12, § 1º, combinado com o artigo 18, I, da Lei n.º6.368/76."
Irresignada, apela a defesa, em cujas razões (fls. 326/337), pleiteia, em síntese:
a) o reconhecimento da ausência de conduta típica, diante da não comprovação da existência do princípio ativo "tetrahidrocannabinol (THC) nas sementes de maconha;
aplicação retroativa da Lei n.º 11.343/06, uma vez que os artigos 33, § 1º, I e § 4º, I, desta lei são mais benéficos ao réu;
c) seja fixado o regime aberto para o cumprimento da pena;
d) seja substituída a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Contrarrazões do Ministério Público Federal (fls. 339/344), nas quais requer seja dado parcial provimento ao recurso da defesa, modificando-se tão somente a sentença para aplicar a Lei n.º 11.343/06 na fixação da pena, uma vez que mais benéfica ao réu.
Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls. 350362), opina pelo parcial provimento do recurso defensivo, para que se modifique a decisão de primeiro grau apenas no tocante à fixação da pena.
Feito submetido à revisão, conforme previsão regimental.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: Signatário (a): JOSE MARCOS LUNARDELLI:10064 Nº de Série do Certificado: 1012080581EB67A9 Data e Hora: 25/4/2012 11:56:33
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002938-20.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002938-0/SP RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI APELANTE : PAULO ROBERTO COSTABILE ADVOGADO : HAROLDO FRANCISCO PARANHOS CARDELLA e outro : JOÃO AUGUSTO COSTABILE : RODOLFO NÓBREGA DA LUZ APELADO : Justica Publica No. ORIG. : 00029382020064036181 5P Vr SAO PAULO/SP
VOTO
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: A defesa não impugnou a autoria delitiva. Postula apenas o reconhecimento da ausência de conduta típica, em razão da suposta não comprovação da existência do princípio ativo "tetrahidrocannabinol (THC), nas sementes de maconha apreendidas. No mais, requer a aplicação retroativa da Lei n.º 11.343/06, com a conseqüente redução da pena, bem como a fixação de regime aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
Assim dispõe o art. 12, § 1º, inciso I, da Lei n.º 6.368/76:
"§ 1. Nas mesmas penas incorre quem, indevidamente:
I - Importa ou exporta, remete, produz, fabrica, adquire, vende, expõe `venda u oferece, fornece ainda que gratuitamente, tem em depósito,transporta, traz consigo ou guarda matéria-prima destinada à preparação de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;"
Consta do laudo definitivo de exame em substância (fls. 15/19), verbis:
"III - DOS EXAMES:
Inicialmente as sementes foram submetidas, separadamente, a exames físicos para identificação de suas características morfológicas. Em seguida as mesmas foram colocadas para semear, e após germinação (vide fotografias 1 e 2), ocorrida apenas nas sementes descritas no item "I.a", a planta produzida foi colhida e secada a temperatura ambiente por 72 horas. Depois deste período a planta foi submetida a exames físicos para identificação de suas características morfológicas.
(...)
IV - DAS RESPOSTAS DOS QUESITOS:
Dos 1, 2, 5. Vide o item I - DO MATERIAL RECEBIDO, sendo que as análises realizadas na planta questionada, obtida das sementes descritas no item "I.a", revelaram tratar-se da espécie Cannabis sativa (MACONHA), em face da identificação do Tetrahidrocannabinol, principal componente químico e psicoativo da Cannabis sativa, e de outros compostos canbinóides na sua composição." (fls. 17). Grifei.
Verifica-se, portanto, que a perícia foi realizada na planta obtida das sementes e não nas sementes em si, as quais, embora possam ser aptas a gerar pés de maconha, não podem ser consideradas como matérias-primas. Ao menos juridicamente.
"Matéria-prima é a substância de que podem ser extraídos ou produzidos os entorpecentes ou drogas que causem dependência física ou psíquica. Não há necessidade de que as matérias-primas já tenham de per si os efeitos farmacológicos dos tóxicos a serem produzidos; basta que tenham as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas. São matérias-primas o éter e a acetona, conforme orientação do Supremo Tribunal federal e consagração da Convenção de Viena de 1988" (TÓXICOS P Prevenção - Repressão, Vicente Greco Filho, Ed. Saraiva, 1993,p. 101). Grifei.
Do conceito acima descrito, depreende-se que as sementes de maconha não podem ser consideradas matérias-primas, pois não possuem "condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., resultarem em entorpecentes ou drogas análogas".
A matéria-prima, destinada à preparação, é aquela industrializada, que, de uma forma ou de outra, pode ser transformada ou adicionada a outra substância, com capacidade de gerar substância entorpecente ou que cause dependência ou, ainda, seja um elemento que, por suas características, faça parte do processo produtivo das drogas.
De outra parte, não se extrai maconha da semente, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e produzir o folhas necessárias para a droga. A partir exclusivamente da semente ou adicionando qualquer outro elemento, não se obtém, por si só, a maconha. A semente é a maconha em potência, mas, ante disso, precisa ser adequadamente cultivada a fim de florescer.
Nesse sentido, decisão em Embargos Infringentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
EMBARGOS INFRINGENTES. CRIME DE ENTORPECENTES (ARTIGOS 12- § 1º - I, DA LEI Nº 6.368/76).SEMENTES DE MACONHA.
A guarda ou posse de semente de maconha não configura o delito do artigo 12 - § 1º - I, da lei nº 6.368/76. A semente de maconha não é matéria-prima, pois esta seria a substância que deve ser submetida a trabalho industrial antes de ser tornada própria ao consumo. Não se extrai maconha da semente, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e não da indústria humana. EMBARGOS ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (Embargos Infringentes Nº 70019927193, Primeiro Grupo de Câmaras Criminais, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em 03/08/2007) Grifei.
Não custa deixar assente as explanações feitas pelo e. relator dos referidos Embargos Infringentes, verbis:
"A 1ª Câmara Criminal deste TJRS, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 70.001.650.662, relatado pelo Des. Nilo Wolff, concedeu a ordem impetrada e determinou a soltura do paciente, já que as sementes de maconha não constituem objeto material do crime do artigo 12 da Lei de Tóxicos.
A 2ª Câmara Criminal do TJRS, quando julgou a apelação nº 685.006.017, relatada pelo Des. Ladislau Rohnelt, deixou assentado que "a semente de maconha não é matéria-prima, pois esta seria sustância que deve ser submetida a trabalho industrial antes de ser tornada própria ao consumo. Da semente não se extrai maconha, mas da planta germinada da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e não por obra da indústria humana"
A matéria foi abordada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, na apelação nº 185.273-3/7, relatada pelo Des. Jarbas Mazzoni, no sentido de que a semente de maconha não tem princípio ativo, não produzindo dependência física ou psíquica e que se a perícia toxicológica não encontra em sementes de maconha o princípio ativo do vegetal responsável pelo seu poder intoxicante (THC) a posse ou guarda de tais sementes não tipifica a infração.
A conduta imputada ao embargante só estaria configurada se ele houvesse semeado, cultivado ou feito a colheita de planta destinada à preparação do entorpecente ou de substância que determine dependência (artigo 12 - § 1º - II, da Lei nº 6.368/76), o que não é o caso dos autos, como bem apontou o voto vencido". Grifei.
Ressalte-se, ainda, que a semente é pressuposto lógico e antecedente para a configuração do tipo penal descrito no inciso II, do mesmo artigo 12, da Lei n.º 6.368/76, em que o legislador tipificou como sendo crime a conduta de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação da droga, verbis:
II - semeia, cultiva ou faz a colheita de plantas destinadas à preparação de entorpecente ou de substância que determine dependência física ou psíquica;
No caso dos autos, o apelante não iniciou os atos executórios consistentes em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga, pois sequer chegou a ter as sementes apreendidas em sua posse. Apenas se presume que seriam plantadas para ulterior consumo ou revenda do produto do cultivo no mercado interno.
Nesse sentido, decisão do Tribunal Regional Federal da 1º Região:
"PENAL E PROCESSO PENAL. ART.12, CAPUT, (PRIMEIRA FIGURA), C/C 18, INCISO I (PRIMEIRA FIGURA), DA LEI 6.368/76, C/C ART. 14, II, DO CP. ART. 43, I, DO CPP. IMPORTAÇÃO DE SEMENTES DE CANNABIS SATIVA (MACONHA), POR INTERMÉDIO DE SÍTIO NA REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES (INTERNET). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ATO PREPARATÓRIO. I - A conduta atribuída ao denunciado foi, de fato, mero ato preparatório não punível, a teor do que dispõe o art. 31 do CP. Tampouco há que se falar em tentativa (art. 14, II, do CP), uma vez que não se iniciou a fase executória, pressuposto para sua ocorrência. II - Na hipótese, não há como se concluir pela traficância internacional atribuída ao denunciado. A rigor, verifica-se a tentativa de importação de sementes de substância proscrita, que, apesar da confissão do acusado, em fase policial, apenas se presume que seriam plantadas para posterior consumo ou revenda do produto do cultivo no mercado interno. III - Presunção desacompanhada de fato concreto torna duvidosa a tipicidade da conduta e, por conseguinte, incabível o recebimento da denúncia. IV - Conduta que não se abona; contudo, é atípica, porque meramente preparatória. V - Recurso desprovido" (RCCR 200634000311480 - Rel. Des. Fed. Cândido Ribeiro - e-DJF1 DATA:26/09/2008). Grifei.
Como é cediço, no âmbito do direto penal, reina o princípio da legalidade estrita e da tipicidade cerrada, de sorte que só a conduta previa e perfeitamente descrita na hipótese de incidência da norma penal autoriza a lícita imputação criminal. Por tais razões, tenho que a conduta narrada na inicial não se subsume ao art. 12, § 1º, inciso I, da Lei n.º 6.368/76, porque a semente de maconha não constitui matéria-prima, objeto material do referido tipo penal.
De outra parte, a conduta do apelante só seria típica se ele houvesse semeado, cultivado ou feito a colheita de planta destinada à preparação do entorpecente ou de substância que determine dependência (art. 12, § 1º, inciso II, da Lei n.º 6.368/76), o que também não ocorreu, no caso dos autos.
Diante do exposto, dou provimento à apelação do réu para ABSOLVÊ-LO da imputação descrita na denúncia, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
É o voto.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002938-20.2006.4.03.6181/SP
2006.61.81.002938-0/SP RELATOR : Desembargador Federal JOSÉ LUNARDELLI APELANTE : PAULO ROBERTO COSTABILE ADVOGADO : HAROLDO FRANCISCO PARANHOS CARDELLA e outro : JOÃO AUGUSTO COSTABILE : RODOLFO NÓBREGA DA LUZ APELADO : Justica Publica No. ORIG. : 00029382020064036181 5P Vr SAO PAULO/SP
EMENTA
APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES. SEMENTES DE CANNABIS SATIVA (ART; 12, § 1º, INCISO I, DA LEI 6.368/76). AS SEMENTES DE MACONHA NÃO CONSTITUEM MATÉRIA- PRIMA - OBJETO MATERIAL DO DELITO -. CONDUTA ATÍPICA. APELAÇÃO PROVIDA PARA ABSOLVER O RÉU.
I - A importação de semente de maconha não configura o delito do artigo 12 - § 1º - I, da lei nº 6.368/76 que se refere à matéria prima destinada à preparação de substância entorpecente.
II- A semente de maconha não é a matéria-prima, porquanto não possui nela própria as condições e qualidades químicas necessárias para, mediante transformação, adição etc., produzir o entorpecente proibido. Não se obtém a maconha da semente em si, mas só da planta que resultar da semente, se esta sofrer transformação por obra da natureza e produzir as folhas necessárias para tanto.
III - A semente é pressuposto lógico e antecedente para a configuração do tipo penal descrito no inciso II, do mesmo artigo 12, da Lei n.º 6.368/76, em que o legislador tipificou como sendo crime a conduta de semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação da droga. No caso dos autos, o apelante não iniciou os atos executórios consistentes em semear, cultivar ou colher plantas destinadas à preparação de droga, pois sequer chegou a ter as sementes apreendidas em sua posse.
IV - Recurso provido para absolver o réu.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do réu para ABSOLVÊ-LO da imputação descrita na denúncia, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 05 de junho de 2012.
JOSÉ LUNARDELLI
Desembargador Federal
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Trazido em tópico em que os Consultore Jurídicos estão se debruçando a estudar as possíveis consequências legais da importação de sementes de cannabis, os entendimentos sobre matéria prima, insumo, etc.
Tal julgado foi trazido ao tópico pelo BraveHeart.