http://veja.abril.com.br/noticia/saude/nao-ha-justificativa-cientifica-para-proibir-a-maconha?fb_action_ids=441783385906862&fb_action_types=og.recommends&fb_source=other_multiline&action_object_map={%22441783385906862%22%3A444563180059}&action_type_map={%22441783385906862%22%3A%22og.recommends%22}&action_ref_map=[]
Saúde
'Não há justificativa científica para
proibir a maconha'
Stevens Rehen,
especialista em células-tronco, defende a legalização
Stevens Rehen*
Há pelo menos 6.500 anos a Cannabis sativa é consumida pelo
homem, em diversas partes do mundo, nos mais variados contextos e
períodos históricos. Chineses, egípcios, indianos e africanos foram os
primeiros a cultivar a erva para fins comerciais, medicinais,
recreativos e religiosos. Na Inglaterra de Henrique VIII e Elizabeth I,
havia a exigência legal para que latifundiários cedessem parte de suas
terras para o cultivo da planta, usada na produção de lona, cordas e
misturada ao chá como analgésico. A própria rainha Vitória utilizava cannabis
para aliviar sua síndrome pré-menstrual crônica e as dores do parto de
seus nove filhos. Também há indícios que o primeiro Presidente dos
Estados Unidos, George Washington, cultivava a planta.
A demonização do consumo da maconha tem como marco histórico a primeira
Convenção Única de Entorpecentes da ONU em 1961, quando a erva apareceu
ao lado da heroína numa lista maldita. Algo sem qualquer fundamentação
científica nos dias de hoje. Desde então a repressão ao seu consumo
gerou violência e não reduziu, muito pelo contrário, aumentou o número
de usuários em todo o planeta, inclusive no Brasil.
Tal proibição impede o escrutínio sobre seu potencial terapêutico,
incrementa o poderio e rendimentos financeiros dos traficantes, além de
desperdiçar recursos do estado e esforço policial concentrados na busca e
apreensão de uma substância reconhecidamente menos perigosa do que o
álcool e tabaco.
Não há justificativa moral ou científica que sustente a ilegalidade do
consumo de Cannabis sativa, incapaz de gerar qualquer benefício
social ou estancar seu consumo. Por outro lado, existem argumentos ad
nauseam sobre como a guerra às drogas é uma política de estado
ineficaz. Mas certamente o principal motivo para a necessidade de sua
legalização está na constatação de que uma política pública que já dura
mais de 50 anos e não alcança seus objetivos deve ser revista.
Tudo o que é proibido não pode ser fiscalizado, fica à margem dos
cidadãos e nesse caso específico financia o crime organizado. Um regime
de disponibilidade sob controle rigoroso, utilizando mecanismos para
regulamentar um mercado formal de produção, uso, compra, tributação e
idade mínima legal é o mecanismo mais eficaz para impedir o crescimento
desenfreado da violência e corrupção, cujo exemplo do México nos salta
aos olhos.
A Califórnia terá a chance de redefinir mais uma vez os rumos e valores
do mundo ocidental, assim como já ocorreu em diversos momentos da
história recente, com a revolução cultural dos hippies, da informática,
do financiamento para a pesquisa com células-tronco embrionárias. Uma
decisão pela legalização tornará a Cannabis sativa equivalente
às drogas lícitas, como álcool e tabaco, permitirá o recolhimento de
impostos e um efeito cascata que pode mudar o mundo. George Washington
ficaria orgulhoso.
*Stevens Rehen é professor do Instituto de Ciências Biomédicas da
UFRJ, especialista em células-tronco embrionárias, e autor do livro Células-tronco:
o que são? Para que servem? (Editora Vieira e Lent)