Maconha e dependência: relação polêmica
Levantamento sobre consumo de Cannabis no Brasil
aponta que 1,3 milhões são dependentes; cientistas que estudam a erva
questionam a pesquisa, que não considerou quantidade e frequência de
uso.
Fernanda Ribeiro
No Brasil, 1,5 milhão consomem maconha todos os dias. Os dados são do
Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), do Instituto
Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e
Outras Drogas (Inpad). Mais de 4 mil adultos e adolescentes de 149
cidades responderam, de forma sigilosa, a um questionário que avaliou o
padrão de uso de substâncias lícitas e ilícitas, entre elas a Cannabis.
A proporção de brasileiros que já experimentou e consumiu a droga no
último ano (7% e 3% da população, respectivamente) é pequena em relação a
outros países, como Canadá (44% e 14%), Estados Unidos (41% e 10%) e
Nova Zelândia (42% e 13%), mas um aspecto em específico chama atenção no
relatório do Lenad: há 1,3 milhões com sintomas de dependência. A
relação com a droga foi avaliada por meio da Escala de Severidade da
Dependência (SDS, na sigla em inglês), um conjunto de 5 perguntas:
ansiedade por não ter a substância, sensação de perda de controle sobre o
uso, preocupação com o próprio uso, ter tentado parar e achar difícil
ficar sem a droga.
A metodologia é questionada por cientistas que estudam a Cannabis,
como o neurobiólogo Renato Malcher-Lopes, da Universidade de Brasília
(UNB). Segundo ele, a ausência de definição científica formal para o
termo “dependente” pode causar confusão. A expressão “dependência
fisiológica”, por exemplo, se refere ao conjunto de reações físicas mais
ou menos severas causadas pela abstinência de uma substância – como as
dores, náuseas e câimbras características da heroína ou os tremores
decorrentes da privação de álcool em dependentes. “A ‘síndrome de
abstinência’ da maconha, se pode ser chamada assim, dura poucos dias e
consiste em irritabilidade e diminuição do apetite”, diz Malcher-Lopes,
autor, com o neurocientista Sidarta Ribeiro, do livro Maconha, cérebro e saúde (Vieira&lent, 2007).
Um dos aspectos característicos da dependência é a necessidade de
recorrer a doses cada vez maiores e frequentes da droga, comportamento
que resulta, segundo Malcher-Lopes, do “sequestro”, pela droga, de
circuitos cerebrais relacionados à motivação e ao controle de impulsos.
“Em animais, o nível desse tipo de efeito é medido por experimentos
onde o bicho aprende a se auto-inocular. Drogas como nicotina e a
cocaína – e assim também, o crack – são altamente reforçadores do
comportamento de auto-inoculação. O THC (tetraidrocanabinol, principal
psicoativo da maconha) não é”, explica o neurobiólogo.
Apesar de avaliar a percepção do usuário sobre os efeitos de seu
consumo, a escala SDS não questiona frequência e quantidade de uso da
erva. “Não é possível falar em dependência, no máximo uso
problemático”, diz o neurocientista João Menezes, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que considera a incidência de
dependência muito alta em relação a levantamentos feitos recentemente
em outros países e publicados em revistas científicas internacionais.
“Em um relatório recente de um levantamento em San Francisco foi
descrita uma incidência de cerca de 13% dos usuários. A amostragem,
porém, era de famílias com problemas de abuso de várias drogas”,
compara.
Segundo Menezes, as respostas do usuário – por exemplo, à pergunta
“Já quis parar?” – podem ser induzidas pelo constrangimento de que se
está consumindo uma droga ilegal, o que reflete “os efeitos da
proibição sobre o padrão de uso”. Para Malcher-Lopes, o termo
“ansiedade” pode ter múltiplos significados. “Um estudo com
questionários feito no Canadá mostrou que cerca de 30% das pessoas com
uso crônico de maconha o fazem para aliviar sintomas de ansiedade, de
forma que é de esperar que voltem a senti-los ao interromper o uso. Os
dados apresentados pelo Lenad podem significar, assim, que há pessoas
se automedicando com maconha para aliviar ansiedade”, diz.
ESQUIZOFRENIA
Cientistas que estudam a Cannabis são unânimes sobre os
problemas do uso abusivo de maconha por jovens com menos de 21 anos,
pois até essa idade, em geral, algumas partes do cérebro não estão
completamente amadurecidas. Alguns estudos, como uma pesquisa da
Universidade de Maastricht publicada no British Medical Journal, sugerem relação entre o uso da droga na juventude e o surgimento de sintomas psicóticos
na vida adulta. No entanto, não há relação esclarecida entre o uso da
droga e o desenvolvimento de transtornos mentais severos, como a
esquizofrenia, de origem desconhecida e provavelmente de múltiplas
causas, entre elas predisposição genética.
Doses de THC podem ocasionar quadros de psicose em algumas pessoas,
mas não é possível concluir que o uso crônico está ligado a sintomas
duradouros. A maconha é uma planta com diversos componentes ativos, os
canabinoides. Já se sabe que o THC é principal componente psicogênico,
sendo também indutor de sintomas psicóticos. Mas existem vários outros,
aproximadamente 70, com atividades antagônicas ao THC, como o
canabidiol (CDB), que diminui a ansiedade e pode agir como
antipsicótico e contrabalançar o efeito do THC. “Linhagens de maconha
com alta concentração de canabidiol, que podem ser produzidas para
finalidades medicinais, podem reduzir a ansiedade e inibem a psicose.
Esta informação deveria ser considerada mais valiosa hoje em dia”, diz
Malcher-Lopes.
fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/maconha_e_dependencia_relacao_polemica.html#.UKuphJKMRWY.facebook