Por Fernando Henrique Cardoso e Ruth Dreifuss
Via The New York Times Esta semana irão se reunir os representantes de muitas nações na UNODC [united Nations Commission on Narcotic Drugs ou Comissão das Nações Unidas sobre Entorpecentes ] em Viena para determinar o curso apropriado da política sobre as drogas ilícitas. Os delegados irão debater várias resoluções, porém ignorará uma verdade que atinge diretamente o núcleo da atual política de drogas: a generalizada e sistemática violação dos direitos humanos na guerra contra as drogas.
Considere estes números: Centenas de milhares de pessoas estão em cárcere em presídios sujeito a punições violentas. Milhões presos. Centenas são enforcados, fuzilados ou decapitados. Dezenas de milhares são mortos por forças do governo ou por agências não estatais. Milhares são espancados e abusados para assim extrair informações em “centros de tratamento” e esses abusos partem tanto do governo como de agências privadas. Outros milhões morrem por negarem medicamentos que salvariam
suas vidas. Estes números são alarmantes, as campanhas de enfrentamento são lentas e a comissão de drogas tem recebido pouca atenção do movimento dos direitos humanos dominante.
Essa combinação se transforma em uma tempestade para as pessoas que usam drogas,
especialmente para os adictos, e para os envolvidos no tráfico de drogas, sejam fornecedores, vendedores ou mula. Quando as pessoas são desumanizadas sabemos por experiência que os abusos contra eles são mais suscetíveis Sabemos também que esses abusos são menos propensos a serem
criticados porque poucas pessoas se importam.
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) recentemente descreveu as
consequências do resultado da guerra contra as drogas. Um sistema parece ter sido criado, disse a agência, em que as pessoas que usam drogas são empurradas para as margens da sociedade. O que a agência deixou de notar, e que está perfeitamente visível nos e para as pessoas envolvidas
na redução de danos e reforma da lei de drogas é que os direitos humanos dessas pessoas também foram marginalizados e são facilmente ignorados.
The International Narcotics Control Board (INCB) recusou-se a condenar a tortura ou "qualquer atrocidade" realizada em nome do controle das drogas alegando que não era a sua obrigação
puni-los. Isso é chocante e contraditório: a supervisão de tratados internacionais sobre o controle de drogas é uma missão muito mais abrangente que apenas fiscaliza-los.
No ano passado, apesar das evidências, o Comitê da ONU contra a Tortura não condenou o abuso
generalizado de pessoas que usam drogas na Federação Russa. Na Rússia, os usuários de drogas são rotineiramente aglomerados em um quarto com condições sub-humanas, com alimentação inadequada, muitas vezes são amarrados às camas por períodos de até 24 horas. Aqueles apontados como
causadores de problemas recebem doses de haloperidol que provoca espasmos musculares e dores na coluna e muitas vezes são torturados e espancados até obterem a condição. Pedir uma ajuda medica pode resultar em mais espancamentos.
Enquanto o governo russo tolera tais abusos ele ainda continua proibindo, imperdoavelmente, a prescrição detratamento com metadona por via oral para as pessoas que estão injetando heroína ou outros opiáceos, alimentando uma epidemia de HIV assim como os riscos de overdose.
Na semana passada um relatório do Conselho de Direitos Humanos, o Relator Especial da ONU sobre a Tortura condenou os abusos contra os usuários de drogas em centros de detenção em toda a Ásia e pediu que fossem desativados. Porem uma atenção muito maior é necessária. Assim como passamos a ver a guerra ao terror através da lente dos direitos humanos, também precisamos ver o controle sobre
as drogas como um problema de direitos humanos. Precisamos reconhecer que não são apenas generalizados os abusos de direitos humanos na guerra contra as drogas, mas que eles são sistemáticos. Eles são o resultado inevitável da decisão de governos que usam a repreensão e metas irreais para eliminar a oferta e demanda que são amplamente disponíveis por
commodities e apresentam tolerância zero para o comportamento humano.
Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente do Brasil, Presidente da Comissão Global sobre Políticas de Drogas.
Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça e ministra de assuntos internos, é membro da comissão.
Tradução: J.Carlos Chavatte
Fonte: The New York Times http://migre.me/dDUpv