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Andam perguntando aqui no tópico:
TÁ MAS O QUE QUE VAI MUDAR SE O STF DECLARAR INCONSTITUCIONAL O 28?
Olhaí a decisão de hoje de um juiz ao julgar o porte de 10gr PRA UM CASO ESPECÍFICO.
Pode estar longe das 900gramas que alguns sonham, mas representa bem mais a realidade q vai acabar rolando depois dessa bagaça toda, se der certo.
se liga.
Juiz reconhece a nulidade parcial sem redução do texto do art. 28 da Lei n. 11.343/06, nos casos de uso de droga para consumo próprio
Por redação – 12/08/2015
O juiz Alexandre Morais da Rosa, da 4a Vara Criminal de Florianópolis-SC, rejeitou denúncia formulada pelo Ministério Público imputando a prática da conduta descrita no art. 28 da Lei n. 11.343/06, ao reconhecer a nulidade parcial sem redução do texto nos casos de consumo próprio. O tema está em discussão no Supremo Tribunal Federal e vale conferir a fundamentação da decisão, na íntegra, abaixo.
Autos n. 0000010-03.2015.8.24.0090
Ação: Termo Circunstanciado/PROC
Acusado: V. T. M.
Vistos para decisão.
O representante do Ministério Público em exercício nesta Unidade ofereceu denúncia contra V. T. M., já qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 28, caput, da Lei nº 11.343 de 2006, tendo em vista os atos delituosos assim narrados na peça acusatória (fls. 35-36):
Em data de 16.12.2014, por volta das 14h25min, na Rua Professora M. F. P, nesta Capital, o ora denunciado trazia consigo, em desacordo com a determinação legal/regulamentar e para consumo próprio, pequena quantidade da erva psicotrópica Cannabis Sativa, popularmente conhecida como “Maconha”, com o peso de 10,7g (dez gramas e sete decigramas), substância essa capaz de causar dependência física e/ou psíquica e bem por isso de uso proibido em todo território nacional, conforme Portaria n. 344/98, atualizada pela Resolução da Diretoria Colegiada Nº 06 de 18.02.2014, da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
Ante a impossibilidade da citação pessoal do acusado no Juizado Especial, os autos foram remetidos à Justiça Comum, para fins de aplicação do art. 66 da Lei nº 9.099 de 1995.
Decido.
Não obstante a existência de manifestações no sentido oposto, entendo que a conduta abstratamente prevista no art. 28 da Lei de Drogas não consubstancia crime. Primeiro, porque, como expressa e taxativamente define a Lei de Introdução ao Código Penal, em seu art. 1º, “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”. Adotando-se, portanto, a conceituação formal de crime, verifica-se desde logo que a conduta do art. 28 do Código Penal não pode ser tida como tal, porquanto as sanções nele previstas não correspondem ao que dispõe a lei.
Mas, para além disso, sob uma pespectiva material, a conduta criminosa pode ser caracterizada como aquela que ofende os bens jurídicos mais caros e indispensáveis à manutenção do convívio social. Na conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas, não se pode observar qualquer tipo de ofensividade social, sendo o único dano dela decorrente provocado ao próprio usuário – fato que não é objeto do Direito Penal. Destarte, diante dos princípios da lesividade e fragmentariedade, há que se reconhecer a conduta em questão como um indiferente penal.
Alexandre Bizzotto e Andreia de Brito Rodrigues apontam:
Continuo entendendo conforme decidia na 5ª Turma de Recursos, de Joinville, na Apelação Criminal n. 173, de Jaraguá do Sul, cujas razões seguem abaixo, a saber, inexiste crime porque ao contrário do que se difunde, o bem jurídico tutelado pelo art. 28 da Lei n. 11.343/06 é a “integridade física” e não a “incolumidade pública”, diante da ausência de transcendência da conduta. A Constituição da República (art. 3º, inciso I e art. 5º, inciso X), de cariz “Liberal”, declara, como Direito Fundamental, consoante a Teoria Garantista (Ferrajoli), a liberdade da vida privada, bem como a impossibilidade de penalização da autolesão sem efeitos a terceiros, sendo certa a necessidade da declaração da inconstitucionalidade parcial sem redução do texto do consumo de droga. Essa possibilidade hermenêutica – nulidade parcial sem redução do texto – aplica-se, ao meu juízo, nos casos de porte de pequenas quantidades para uso próprio, nos quais os usuários devem ser tratados e não punidos, dado que o simples aniquilamento da liberdade pouco contribui para o efetivo enfrentamento do problema, como já demonstrado em diversos momentos históricos (Salo de Carvalho e Rosa del Omo). A advertência somente batiza o acusado no sistema penal.
Cumpre recordar, por oportuno, a discussão proposta por Rodriguez entre os modelos de Hart e Dworkin acerca dos casos difíceis (hard cases), na qual analisam o caso de um cidadão que requereu junto a Corte Suprema da Colômbia a autorização para o porte e o consumo de doses pessoais de drogas. Após discorrer-se sobre a textura aberta das normas jurídicas, sobre os problemas da discricionariedade judicial, Hart asseveraria que a inconstitucionalidade da proibição do porte e uso de quantidades pessoais de drogas encontra apoio na princípio constitucional do livre desenvolvimento da personalidade e da dignidade da pessoa humana. Isto porque o Estado não deve assumir uma postura paternalista frente aos seus sujeitos, devendo garantir o direito impostergável de conduzir sua vida conforme lhe convier, desde que não violados direitos de terceiros. “Herbert sigue sus convicciones morales y políticas liberales y sostiene que del derecho al libre desarrollo de la personalidad se sigue sin duda la inconstittucionalidad de la prohibición”. De outra face, Dworkin, com seu método Hércules, fundamentado nos princípios, defenderia que existe a possibilidade de se apurar a resposta correta (Direito como integridade) e, na hipótese, o Juiz-Hércules deve se basear nos princípios mais valiosos do ponto de vista moral e político, consentâneos com as práticas constitucionais, na linha defendida por Lenio Streck. Assim é que “La decisión de Hércules no es determinada poe el hecho de que la mayoria de los ciudadanos piense que se debe penaliza el porte y consumo de dosis personales de droga, porque la tarea del juez es proteger derechos, incluso – y sobre todo – contra el parecer de la mayoria. En este caso, la protección del derecho al libre desarollo de la personalidade milita em favor de la inconstitucionalidad de la prohibición”.
Está em pauta a discussão no Supremo Tribunal Federal. A Corte Suprema Argentina, por sua vez, declarou inconstitucional a criminalização de pequenas quantidades de droga para consumo próprio, consoante explica Romina A. Sckmunck, da Universidade de Córdoba:
Assim é que a decisão invocada, proferida pela Corte Suprema Argentina, longe de autorizar o consumo ilimitado, pretende, em resgatando o primado constitucional da liberdade de autogoverno dos sujeitos da República, sem discursos totalitários (no caso da droga, escamoteadores de ilusões punitivistas), ensejar o tratamento daqueles (que quiserem) envolvidos com drogas ao invés do simples aniquilamento e batizado no sistema penal e estigmatizante. É, em suma, reconhecer a dignidade da pessoa humana, enfrentando a questão das drogas de maneira séria e democrática.
Desta forma, presente o primado material da Constituição (garantismo de Ferrajoli), bem assim da existência do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito impostergável de escolha (liberdade) do sujeito por situações que lhe digam respeito (CR, art. 3º, inciso I, e 5º, inciso X), inalienados – por serem fundamentais, adotando-se a visão contratualista de Locke –, utilizando-se, ainda, do recurso hermenêutico da nulidade/inconstitucionalidade parcial sem redução do texto, cumpre declarar a inconstitucionalidade material sem redução do texto do art. 28 da Lei n. 11.343/06, na hipótese de porte e consumo de doses pessoais de droga, rejeitando-se, assim, a teoria da existência de uma difusa saúde pública.
O saudoso professor Alessandro Baratta deixou evidenciado em toda sua obra que a maior resistência à descriminalização é da opinião pública. Todavia, essa atitude repressiva desfruta do aspecto simbólico e proporciona a ilusão da segurança, bem como da resolução do conflito. A ilusão é perfeita na cultura do repasse de responsabilidades, as quais, ao final, acabam incidindo na pessoa da própria vítima/autor. É preciso, pois, ter-se a coragem de tratar o problema social das drogas como problema de saúde pública, como deixa claro Vera Malaguti Batista. Essa mudança de perspectiva é necessária para o efetivo cumprimento da promessa de dignidade da pessoa humana e do reconhecimento do adolescente como indivíduo em situação de formação.
Destaco, por fim, a visão lúcida de Nilo Batista:
Partindo-se do Direito Penal como ultima ratio, ou seja, como o último recurso democrático diante da vergonhosa história das penas, brevemente indicadas como de morte, privativa de liberdade e patrimonial, excluída a primeira, desprovida de qualquer fim ou respeito ao acusado, as demais se constituem em técnicas de privação de bens, em tese, proporcional à gravidade da conduta em relação ao bem jurídico tutelado, segundo critérios estabelecidos pelo Poder Legislativo, na perspectiva de conferir caráter abstrato e igualitário do Direito Penal. Resta, pois, absolvido, já que incabível a desclassificação, por não ser crime o art. 28 da Lei n. 11.343/06, no caso específico.
Por todo exposto REJEITO a denúncia de fls. 33-36, com fundamento no art. 395, inc. III, declarando a nulidade parcial sem redução do texto do art. 28 da Lei n. 11.343/06, do Código de Processo Penal. Sem custas.
Intime-se.
Após, arquivem-se.
Florianópolis (SC), 12 de agosto de 2015.
Alexandre Morais da Rosa
Juiz de Direito